Em Atenas, a oitava greve geral degenerou numa guerra campal com centenas de feridos e ataques nas ruas a ex-ministros com responsabilidades na situação actual. De plano de austeridade em plano de austeridade assiste-se à destruição impiedosa de um país. E o desespero toma conta das ruas. Em Roma, a reacção nas ruas ao chumbo da moção de censura da Berlusconi também foi violenta e custou dois milhões de euros em danos materiais. No Parlamento, a arruaça não foi muito diferente. O aumento das propinas e das matriculas nas universidades inglesas levou a impressionantes manifestações que acabaram em violência. O resultado político já se fez sentir: os liberais-democratas, no governo com os conservadores, passaram de 23 por cento nas últimas eleições para oito por cento nas sondagens. Em Espanha e na Irlanda poderemos vir a assistir a cenas semelhantes. E tal só não acontecerá em Portugal porque ou somos dados a brandos costumes ou a uma obediência resignada, dependendo do ponto de vista. Independentemente das considerações éticas que cada um resolva fazer sobre protestos violentos, é bom perceber o que se está a passar. Há dois anos, quando rebentou a crise do subprime, fizeram-se promessas de moralização dos mercados financeiros. Jurou-se mudar leis e condenar os culpados. Depois avançaram-se com planos de dinamizarão da economia. A União Europeia incentivou os estados membros a investir e a gastar. Mas de repente tudo mudou. Foi preciso salvar a banca europeia com dinheiros públicos e os especuladores tiveram de transferir as suas apostas do mercado imobiliário para as dívidas soberanas. Os interesses de sempre aproveitaram a boleia para vender o emagrecimento do Estado e dos salários e alterações das leis laborais. Começou então um processo quase revolucionário de destruição do modelo social europeu e um ataque como não há memória em décadas aos direitos sociais. Alguém teria de pagar esta crise e seguramente não seria quem a causou. Aproveitando a inexistência de liderança política europeia, o domínio da direita na maioria dos governos da Europa e o estado pré-comatoso em que se encontra a social-democracia, começou um processo de engenharia social que promete ser longo e deixar um rasto de destruição no seu caminho. Perante a violência deste ataque, a fragilidade do movimento sindical - que a crescente precariedade das relações de trabalho ajuda a explicar - e a anemia das oposições de esquerda, os próximos anos prometem ser politicamente perigosos para a Europa. As instituições democráticas de Estados nacionais sem poder e a falta de legitimidade democrática das instituições europeias, associadas à crise, são uma bomba-relógio. Onde há democracia não há soberania, onde há soberania não há democracia. Ou seja, é fora das instituições que o combate acontece porque dentro delas não parece haver solução. Não vivemos apenas uma crise económica e social. Vivemos uma crise da democracia. Não é apenas o desespero que explica a multiplicação de protestos violentos. É a ausência de respostas democráticas a este atoleiro. Em Portugal, em Espanha, na Irlanda ou na Grécia o cenário é o mesmo: as elites políticas impõem soluções sem as conseguir justificar. Até porque, do ponto de vista económico, político, social e moral, elas são injustificáveis. E escudam-se na inevitabilidade, ditada por factores externos. A elite eurocrata navega na sua própria irresponsabilidade, mas ninguém a pode punir, porque ela não depende do voto. E é essa nebulosa a que se chama de "mercados" que dita as escolhas políticas. Quando o poder que determina as nossas vidas não tem rosto e não pode ser combatido com os instrumentos democráticos está criado o caldo para a revolta na rua. Ou isso ou a ascensão ao poder de movimentos xenófobos que escolham a Europa como inimigo a abater. Os próximos anos vão ser perigosos. Ou as decrépitas elites políticas europeias percebem o aviso que têm recebido nos últimos dias ou serão a próxima vítima. Ou acordam para o caos social que estão a criar ou terão de vir a lidar com o caos político que geralmente lhe sucede. E aí pode ser tarde demais.
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