Há dois anos, quando rebentou a crise do subprime, sucederam-se as promessas de regulação dos mercados financeiros. Os bancos, as seguradoras e os especuladores iam ser postos na ordem. A falência da Lehman Brothers, da Enron e de bancos por essa Europa fora; o colapso da Islândia, depois de um processo de privatização da banca; a quase falência da AIG, um gigante que segurava o lixo que por aí se vendia; os erros grosseiros das agências de rating, que vendiam com AAA o que não valia um cêntimo, revelavam o bordel em que se transformara Wall Street. Os colossos financeiros seriam salvos com o dinheiro dos contribuintes mas nada ficaria na mesma. Os culpados seriam punidos. As leis seriam alteradas. O neoliberalismo falhara e seria enterrado sem direito a exéquias. Não foi preciso esperar um ano para que tudo fosse esquecido. De repente o problema era o modelo social que sugava os investidores para distribuir dinheiro por pobres e preguiçosos. Veio mais uma leva de 'reformas' para catar as migalhas que ainda sobravam para os que não têm que chegue para jogar na roleta das finanças. Alguém tinha de pagar a fatura do resgate da banca. E para que tal fosse possível, o jornalistas e académicos fizeram o seu trabalho: reconverteu-se uma crise do modelo económico que nos oferece ciclos cada vez mais curtos de normalidade numa crise do modelo social que protegeu durante meio século os menos afortunados. E assim se canalizaram os recursos públicos e os custos do trabalho para a reconstrução dos arruinados grupos financeiros. Nenhuma lei foi alterada, nenhuma medida política relevante foi tomada, ninguém foi julgado e condenado, os reguladores que fecharam os olhos a tudo foram reconduzidos nos seus lugares, os jogadores foram salvos e voltaram a atacar, desta vez brincando as dívidas soberanas dos países, e tudo voltou à anormalidade de antes. A bomba-relógio começou de novo a sua contagem decrescente até à próxima crise. Como conseguiram estes eternos sobreviventes transformar a sua irresponsabilidade em novas oportunidades de negócio? No intervalo da avalancha de economistas, especialistas e académicos avençados, que repetem um guião que já se transformou em conversa de autocarro, vale a pena ver "Inside Job", um documentário que nos recorda uma história demasiado recente. Ele revela-nos, com a frieza indesmentível dos factos, um mundo onde tudo se compra: os políticos que recebem donativos, os burocratas que arranjam lugares nas instituições financeiras, os economistas que vivem de pareceres bem pagos. Um mundo onde a Sicília foi finalmente globalizada. Ao contrário da Camorra, não manda eliminar os delatores. Não precisa. Ninguém os consegue ouvir. A crise chegou a Pedro Passos Coelho. E ele divide a sua vida difícil com os portugueses. Contou ao "Correio da Manhã" que, no próximo Natal, só a filha mais nova é que vai receber um presente. As outras duas, já adolescentes, não levam nada. E a mulher ainda menos. Além do apelo para um peditório nacional que salve o Natal da família Coelho, fica a dúvida: devemos confiar os nossos destinos a um homem que, recebendo o equivalente a um ministro, não arranja uns trocos para comprar umas lembranças para a mulher e para as filhas?
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