Não se pode deixar de estar de acordo com o Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa quando afirma (Público, 01.01.2010) que «os graves problemas da sociedade exigem uma profunda revolução cultural e civilizacional». Mas, com toda a consideração, causa alguma perplexidade a proposta citada a seguir na mesma notícia: a de que se realizassem «cimeiras de aprofundamento civilizacional», à semelhança das cimeiras «sectoriais» que se realizam sobre o ambiente, a crise financeira, a economia, etc. Na Enciclopédia Luso-Brasileira, o conceito alargado de civilização significa o conjunto das manifestações da vida material e espiritual de um povo ou de uma época. E, embora o Sr. Cardeal assinale, justamente, que vivemos uma época de globalização em que existem «problemas comuns a toda a família humana», não parece razoável que daí se conclua que exista, ou que seja útil que se procure, um «aprofundamento civilizacional» global, e muito menos que esse aprofundamento seja alcançável em cimeiras. Infelizmente, no quadro da globalização capitalista, poucas coisas cheiram mais a esturro do que as cimeiras. E mais: sempre que uma cimeira falha, como fracassou estrondosamente a conferência de Copenhaga, esse facto constitui em geral melhor notícia do que seria a do seu êxito. Porque não existe um único dos «problemas comuns a toda a família humana» que não tenha a sua mais funda raiz na própria natureza do capitalismo. A depredação ambiental global, as extremas injustiças e as desigualdades sociais, a violência e a guerra não são dissociáveis da essência do capitalismo. Se nenhuma «cimeira sectorial» sobre a crise do capitalismo pode apresentar qualquer solução para essa crise, é porque a sucessão de crises é intrínseca ao próprio capitalismo. E o capitalismo só supera cada crise preparando crises mais generalizadas e mais graves, e reduzindo os meios para prevenir as crises, como Marx e Engels assinalavam já no «Manifesto». É nesses termos que, partilhando o desejo do Sr. Cardeal de que se procure «[….] a promoção da justiça, de modo particular nos sistemas económico-financeiros e sociais», seria de desejar que, em contrapartida, compartilhasse o Sr. Cardeal connosco a luta pelo socialismo. Porque não será em cimeiras, mas na infinita e poderosamente diversa e criadora luta dos povos pelo socialismo que será realizada a revolução civilizacional capaz de superar os problemas com que a humanidade actualmente se defronta.
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