Foi preciso esperar que o G20 decretasse o fim da era do secretismo bancário para que fosse finalmente aprovada a possibilidade da administração fiscal ultrapassar o sigilo bancário, de modo a detectar riqueza injustificada e não declarada.
Como seria de esperar, este passo gerou muitas reacções indignadas. Paulo Rangel chegou mesmo a dizer que estávamos perante "um bárbaro ataque ao Estado de Direito". Sinceramente, custa-me a perceber tanta indignação selectiva. Pelo menos desde 1996 que há um grupo social em Portugal para o qual não existe sigilo bancário: os pobres. Claro, exigirmos aos pobres o que não é exigido a mais ninguém também pode ser considerado um bárbaro ataque ao Estado de Direito; com a diferença que ninguém se indigna com isso.
Para que nos entendamos, a atribuição do rendimento mínimo depende da apresentação dos extractos das contas bancárias do requerente. Esta opção, aliás, foi fazendo escola nas políticas de mínimos sociais. Mais recentemente, a atribuição do complemento solidário aos pensionistas ficou também sujeita à "violação" do sigilo bancário por parte da administração.
Num país com níveis de desigualdade social sem paralelo na Europa Ocidental, estas exigências exclusivas dos mais pobres podem ser vistas como um ultraje, a somar aos que já decorrem de viver com escassos rendimentos numa sociedade que já não é pobre. Contudo, podem também ser vistas como uma forma de promover a aceitação pública das medidas de combate à pobreza. Se formos exigentes na atribuição das prestações, é provável que a sua robustez política seja maior.
Do mesmo modo que os níveis de pobreza em Portugal são uma mancha que nos devia envergonhar como comunidade, a extensão da evasão fiscal limita a nossa capacidade redistributiva e reproduz desigualdades, desde logo entre os que pagam mesmo impostos e aqueles que recorrem a esquemas criativos de "planificação fiscal".
Permitir que um director-geral tenha acesso às contas bancárias dos contribuintes é um acto que carece de fundamentação precisa (e, na verdade, não se ficou a perceber os contornos do que foi aprovado na semana passada), mas convenhamos que este é um país com uma escala de prioridades estranha. Enquanto assistimos a uma grande indignação perante a compressão de direitos dos que, ganhando muito, fogem ao fisco, quando se trata de pobres, a única indignação é com a fraude no benefício de prestações. A lição a tirar é por isso só uma: se fores pobre e fingires que és muito pobre, já sabes, vamos estar de olho em ti; se fores muito rico e te fizeres passar por rico, já sabes, estaremos cá para proteger os teus direitos.
Como seria de esperar, este passo gerou muitas reacções indignadas. Paulo Rangel chegou mesmo a dizer que estávamos perante "um bárbaro ataque ao Estado de Direito". Sinceramente, custa-me a perceber tanta indignação selectiva. Pelo menos desde 1996 que há um grupo social em Portugal para o qual não existe sigilo bancário: os pobres. Claro, exigirmos aos pobres o que não é exigido a mais ninguém também pode ser considerado um bárbaro ataque ao Estado de Direito; com a diferença que ninguém se indigna com isso.
Para que nos entendamos, a atribuição do rendimento mínimo depende da apresentação dos extractos das contas bancárias do requerente. Esta opção, aliás, foi fazendo escola nas políticas de mínimos sociais. Mais recentemente, a atribuição do complemento solidário aos pensionistas ficou também sujeita à "violação" do sigilo bancário por parte da administração.
Num país com níveis de desigualdade social sem paralelo na Europa Ocidental, estas exigências exclusivas dos mais pobres podem ser vistas como um ultraje, a somar aos que já decorrem de viver com escassos rendimentos numa sociedade que já não é pobre. Contudo, podem também ser vistas como uma forma de promover a aceitação pública das medidas de combate à pobreza. Se formos exigentes na atribuição das prestações, é provável que a sua robustez política seja maior.
Do mesmo modo que os níveis de pobreza em Portugal são uma mancha que nos devia envergonhar como comunidade, a extensão da evasão fiscal limita a nossa capacidade redistributiva e reproduz desigualdades, desde logo entre os que pagam mesmo impostos e aqueles que recorrem a esquemas criativos de "planificação fiscal".
Permitir que um director-geral tenha acesso às contas bancárias dos contribuintes é um acto que carece de fundamentação precisa (e, na verdade, não se ficou a perceber os contornos do que foi aprovado na semana passada), mas convenhamos que este é um país com uma escala de prioridades estranha. Enquanto assistimos a uma grande indignação perante a compressão de direitos dos que, ganhando muito, fogem ao fisco, quando se trata de pobres, a única indignação é com a fraude no benefício de prestações. A lição a tirar é por isso só uma: se fores pobre e fingires que és muito pobre, já sabes, vamos estar de olho em ti; se fores muito rico e te fizeres passar por rico, já sabes, estaremos cá para proteger os teus direitos.
Pedro Adão e Silva, Professor universitário.
Artigo aqui.
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