(...) Por estranho e irracional que possa parecer, como seria num sistema de diplomacia mundial que fosse mais lógico, a "inundação de dólares" é o que financia o crescimento militar global da América. Ela força bancos centrais estrangeiros a arcarem com os custos da expansão militar do império americano, uma efectiva "tributação sem representação". Manter reservas internacionais em "dólares" significa reciclar seus influxos de dólares na compra de títulos dos Tesouro dos EUA, emitidos pelo governo dos EUA em grande medida para financiar o sector militar. Até à data, os países têm sido impotentes para se defenderem contra o facto de este financiamento compulsório dos gastos militares dos EUA estar embutido dentro do sistema financeiro global. Economistas neoliberais aplaudem isto como "equilíbrio", como se fosse parte da natureza económica e dos "mercados livres" ao invés de diplomacia claramente exercida com crescente agressividade por responsáveis dos EUA. Os "mass media" intrometem-se, pretendendo que reciclar a inundação de dólares para financiar os gastos militares estado-unidenses é "mostrar a sua fé na fortaleza económica dos EUA" com o envio dos "seus" dólares aqui para "investir". É como se houvesse nisto uma opção, não compulsão financeira e diplomática para simplesmente optar entre o "Sim" (da China, relutantemente), o "Sim, por favor" (do Japão e da União Europeia) e o "Sim, obrigado" (da Grã-Bretanha, Geórgia e Austrália). (...) Quando o défice de pagamentos dos EUA enche de dólares economias estrangeiras, esses bancos têm pouca opção além de comprar títulos do Tesouro dos EUA, os quais são gastos por este no financiamento de um crescimento militar enorme e hostil destinado a cercar os principais recicladores de dólares, China, Japão e produtores de petróleo árabes da OPEP. Mas estes governos são forçados a reciclar influxos de um modo tal que financia políticas militares dos EUA a cuja formulação eles são alheios e que os ameaça cada vez mais beligerantemente. Foi por isso que a China e a Rússia tomaram a iniciativa de formar a Organização de Cooperação de Shangai (SCO) há poucos anos atrás. (...) A sobrecarga militar é como uma sobrecarga de dívida, extracção de receita da economia. Neste caso é para pagar o complexo militar-industrial, não simplesmente os desaires dos bancos de Wall Street e outras instituições financeiras. O défice do orçamento federal interno não brota só do "estímulo" de distribuir enormes somas para criar uma nova oligarquia financeira. Ele contém uma enorme componente militar em crescimento rápido. De modo que europeus e asiáticos vêem companhias dos EUA a despejarem cada vez mais dólares para dentro das suas economias, não só para comprarem as suas exportações sem lhes proporcionar bens e serviços em retorno, e não só para comprarem as suas companhias e "postos de comando" de empresas públicas privatizadas sem lhes dar o direito recíproco de comprar companhias importantes nos EUA (de recordar que os EUA rejeitaram a tentativa da China de comprar negócios de distribuição de petróleo nos EUA), e não só para comprar acções, títulos e imobiliário estrangeiro. Os media dos EUA de certa forma "esquecem" de mencionar que o governo estado-unidense está a gastar centenas de milhares de milhões de dólares no exterior não só no Médio Oriente, no combate directo, mas também para construir enormes bases militares a fim de cercar o resto do mundo para instalar sistemas de radar, sistemas de mísseis tele-guiados e outras formas de coerção militar, incluindo as "revoluções coloridas" que tem sido financiadas e ainda o são em torno da antiga União Soviética. Paletes de notas de US$100 envolvidas em plástico, cada uma das quais soma dezenas de milhões de dólares, tornaram-se imagens familiares em algumas emissões de TV, mas não se faz a ligação com os gastos militares e diplomáticos dos EUA e com os haveres em dólares de bancos centrais estrangeiros, os quais são relatados simplesmente como a "maravilhosa fé da recuperação económica dos EUA" e presumivelmente na "mágica monetária" que está a ser montada no Tesouro por Tim Geithner de Wall Street e pelo "helicóptero" Ben Bernake na Federal Reserve. (...) Qualquer país que tentasse fazer o que os Estados Unidos tem feito durante os últimos 150 anos seria acusado de ser "socialista" e isto pela mais anti-socialista economia do mundo, excepto quando recorre a salvamentos para os seus bancos, "socialismo para o ricos", também conhecidos como oligarquia financeira. Esta retórica quase não deixa alternativa senão a nacionalização completa do crédito como um serviço público básico. Naturalmente, a palavra "nacionalização" tornou-se um sinónimo para o salvamento dos bancos maiores e mais temerários dos seus maus empréstimos, e para salvar "hedge funds" e contrapartes não bancárias por perdas no "capitalismo de casino", jogando com derivativos que a AIG e outras seguradoras ou actores no lado perdedor destes jogos são incapazes de pagar. Tais salvamentos não são nacionalização no sentido tradicional do termo, de devolver a criação de crédito e outras funções financeiras básicas ao domínio público. Trata-se do oposto. Ela imprime novos títulos governamentais para submetê-los, juntamente com poder auto-regulatório, ao sector financeiro, bloqueando a cidadania de assumir estas funções. Enquadrando a questão como uma escolha entre democracia e oligarquia, traz a questão de quem irá controlar o governo que faz a regulação e "nacionalização". Se for feita por um governo cujo banco central e os principais elementos do Comité do Congresso, que tratam das finanças, são dirigidos por Wall Street, isto não ajudará a dirigir o crédito para usos produtivos mas somente especulativos. Isto continuará meramente a era de Greenspan-Paulson-Geithner de mais e mais amplos almoços gratuitos para os seus clientes financeiros. (...) Apesar do anúncio do sr. Greenspan de que tinha chegado a ver a luz e percebera que a auto-regulação não funcionava, o Tesouro ainda é dirigido por um responsável de Wall Street e a Reserva Federal é dirigida por um lobbyista ligado a Wall Street. Para os lobbyistas, a preocupação real não é a ideologia como tal e sim o auto-interesse dos seus clientes. Eles podem procurar patetas com boas intenções, conduzidos como são pelos seguidores de Milton Friedman na Universidade de Chicago. Tais indivíduos são colocados no lugar como "porteiros" das principais publicações académicas a fim de impedir a entrada de ideias que não sirvam adequadamente os lobbyistas financeiros. O pretexto para excluir o governo da regulação significativa é que as finanças são tão técnicas que só alguém da "indústria" financeira é capaz de regulá-la. Para aumentar ainda mais a infâmia, é feita a afirmação adicional e contra-intuitiva de que uma marca da democracia é tornar o banco central "independente" do governo eleito. Na realidade, naturalmente, isso é exactamente o oposto de democracia. As finanças são o centro do sistema económico. Se não forem reguladas democraticamente no interesse público, então estão "livres" para serem dominadas pelos interesses especiais. Assim, isto torna-se a definição oligárquica de "liberdade de mercado". O perigo é que os governos mundiais deixem o sector financeiro determinar como serão aplicadas as "regulações". Os interesses especiais procuram ganhar dinheiro a partir da economia e o sector financeiro faz isto de um modo extractivo. Aqui está o seu plano de marketing desmascarado. Financiar hoje é actuar de um modo que desindustrialize economias, não que as construa. O "plano" é austeridade para o trabalho, na indústria e em todos os sectores fora das finanças, como nos programas do FMI impostos sobre infelizes países devedores do Terceiro Mundo. As experiências da Islândia, Letónia e outras economias "financiadas" deveriam ser examinadas como lições objectivas, mesmo porque eles estão no topo da classificação dos países, feita pelo Banco Mundial, quanto à "facilidade para fazer negócio". A única regulação significativa só pode vir de fora do sector financeiro. De outra forma, os países sofrerão o que os japoneses chamam "a descida do céu": os reguladores são seleccionados entre as fileiras dos banqueiros e dos seus "idiotas úteis". Ao saírem do governo eles retornam ao sector financeiro com empregos lucrativos, convites para conferências bem pagas e outros pagamentos afins. Sabendo disto, regulam em favor dos interesses financeiros especiais, não os do público em geral. (...) A implicação hoje é que o único meio com que um país pode bloquear movimentos de capital especulativo é retirar-se do FMI, do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio (OMC). Pela primeira vez desde a década de 1950, isto parece uma possibilidade real graças à tomada de consciência à escala mundial de como a economia dos EUA está a inundar a economia global com um excesso de dólares "de papel" e à intransigência estado-unidense em travar este seu benefício gratuito à custa das outras nações. Na perspectiva privilegiada dos EUA, isto é nada mais nada menos do que uma tentativa de restringir o seu programa militar internacional.
Artigo completo de Michael Hudson (Professor de Teoria Económica na Universidade de Missouri – Kansas City) aqui.
Claro e cristalino este artigo sobre a prepotência e desonestidade dos Estados Unidos relativamente às outras nações, e mesmo potências, mundiais. E agora pergunto eu: estão a ver países europeus, por exemplo o nosso, com tomates para abandonar o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial de Comércio? Eu não estou mesmo a ver como. O problema é que, mesmo contra os seus próprios interesses, temos já na Europa demasiados idiotas inúteis!
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