19 de novembro de 2008

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América VI. Por Noam Chomsky.

A ameaça do bom exemplo.



Nenhum país está isento do tratamento aplicado pelos governos dos EUA, não importa o quão insignificante ele seja. Na verdade, são os países mais fracos e mais pobres que causam as maiores histerias. Veja-se o Laos dos anos 1960, provavelmente o país mais pobre do mundo. A maioria dos seus habitantes nem sabia que tal coisa chamada Laos existia, eles só sabiam que havia uma aldeiazinha aqui e outra acolá mais próxima. Mas assim que uma pequena revolução social começou a aparecer ali, Washington submeteu o Laos a um mortífero "bombardeio secreto" (o autor refere-se aqui logicamente à não-divulgação do facto nos meios de comunicação social locais e internacionais, à época do acontecimento), destruindo virtualmente grandes áreas habitadas com operações que, como foi admitido depois, nada tinham a ver com a guerra que os EUA estavam a travar no Vietname do Sul.

Granada tem cem mil habitantes, que produzem noz-moscada, e mal pode ser encontrada no mapa. Mas quando Granada iniciou uma incipiente revolução social, Washington imediatamente entrou em acção para destruir a ameaça. Desde a Revolução Bolchevique de 1917 até à queda dos governos comunistas do Leste Europeu, no final da década de 1980, era possível justificar qualquer ataque norte-americano como defesa contra a ameaça soviética. Então, quando os Estados Unidos invadiram Granada, em 1983, o presidente do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas explicou que, na eventualidade de um ataque soviético na Europa Ocidental, uma Granada hostil poderia proibir o abastecimento de petróleo no Caribe para a Europa Ocidental e, então, não poderíamos defender os nossos aliados sitiados. Agora isso parece cómico, mas esse tipo de estória ajuda a mobilizar a opinião pública para apoiar a agressão, o terror e a subversão.

O ataque contra a Nicarágua foi justificado sob a alegação de que, se não os contivéssemos lá,
"eles" poderiam ultrapassar a fronteira de Harlingen, no Texas - apenas a dois dias de carro. Para as pessoas mais instruídas, havia outras desculpas mais sofisticadas e certamente mais plausíveis. A Nicarágua é tão importante para o empresariado americano que ela poderia desaparecer do mapa que ninguém perceberia. A mesma coisa com El Salvador. Mas ambos têm sido submetidos a assaltos homicidas pelos Estados Unidos, com o custo de centenas de milhares de vidas e muitos bilhões de dólares. Há uma razão para isso, o país mais fraco e mais pobre é mais perigoso como exemplo. Se uma nação pequena e pobre como Granada pode ser bem sucedida, alcançando um melhor nível de vida para seu povo, em outro lugar que tenha mais
recursos as pessoas poderão perguntar: "E nós, por que não?"
Esse foi exatamente o caso da Indochina, que é bastante extensa e tem importantíssimos recursos. Embora Eisenhower e seus conselheiros fizessem muito alarde do arroz, do estanho e da borracha, o verdadeiro medo era que, se o povo da Indochina conseguisse independência e justiça, o povo da Tailândia tenderia a imitá-la, e se isso funcionasse, tentaria a Malásia, e em pouco tempo a Indonésia adoptaria a via independente. Até lá, uma significativa parte da "Grande Área" já teria sido perdida. Se se quer um sistema global subordinado às necessidades dos investidores norte-americanos, não se pode deixar que partes do sistema se percam. É notável a clareza com que isso é declarado nos arquivos oficiais - às vezes, até nos arquivos públicos.
Veja-se o Chile no governo de Allende. O Chile é um país consideravelmente grande, com muitos recursos naturais, mas, repetindo, os Estados Unidos não desmoronariam se o Chile se tornasse independente. Por que estávamos então tão preocupados com esse país? Segundo Kissinger, o Chile era um "vírus" que "infectaria" a região, com reflexos até em Itália. Apesar dos quarenta anos de subversão da CIA, a Itália ainda tem um movimento trabalhista. Ter um governo social-democrata bem sucedido no Chile equivaleria a enviar mensagens erradas aos eleitores italianos, por exemplo. Suponha que eles tivessem ideias interessantes sobre como obter o controle do seu próprio país e revivessem os movimentos operários, desmantelados pela CIA na década de 1940. Os estrategas norte-americanos, desde a gestão do secretário de Estado Dean Acheson, no final dos anos 1940, até aos dias de hoje, têm advertido que "uma maçã podre pode estragar o cesto todo". O perigo é que a "podridão" - o desenvolvimento social e económico - pode-se espalhar. Essa "teoria da maçã podre" é chamada de teoria do dominó, para consumo público. A versão usada para amedrontar o povo mostra Ho Chi Min embarcado numa canoa e chegando mais tarde à Califórnia... Talvez alguns líderes norte-americanos acreditassem nessa asneira - é possível -, mas os estrategas racionais certamente que não. Eles entendem que a verdadeira ameaça é o "bom exemplo". Às vezes, a questão é explicada com grande clareza. Quando os EUA estavam a planear derrubar a democracia guatemalteca em 1954, um oficial da Secretaria de Estado declarou que a "Guatemala tem-se tornado uma crescente ameaça para a estabilidade das Honduras e de El Salvador. A sua reforma agrária é uma arma poderosa de propaganda; o seu amplo programa social de ajuda aos trabalhadores e aos camponeses pode resultar numa luta vitoriosa contra as classes dominantes e as grandes empresas estrangeiras. Isso tudo junto significa um forte apelo junto às populações vizinhas da América Central, onde prevalecem condições semelhantes.

Por outras palavras, o que os EUA querem é "estabilidade", quer dizer, segurança para "as classes dominantes e liberdade para as empresas estrangeiras". Se isso pode ser obtido com métodos democráticos formais, tudo bem. Se não, a ameaça à "estabilidade" causada pelo bom exemplo tem de ser destruída, antes que o vírus infecte os outros. É por isso que, mesmo que a mais ínfima partícula cause tal perigo, ela tem de ser esmagada.

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