19 de novembro de 2008

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América V. Por Noam Chomsky.

O nosso (dos EUA) compromisso com a democracia.

Com um documento de alto nível atrás do outro, os estrategas norte-americanos expunham a
visão de que a principal ameaça à nova ordem mundial, liderada pelos EUA, era o nacionalismo do Terceiro Mundo - algumas vezes chamado de ultranacionalismo: os "regimes nacionalistas" que atendem às "exigências populares de elevação imediata dos baixos padrões de vida das massas" e produção de bens que satisfaçam as suas necessidades básicas. As metas básicas dos estrategas, insistentemente repetidas, eram evitar que os ultranacionalistas tomassem o poder, e se por um golpe de sorte eles chegassem ao poder, retirá-los e instalar ali governos que favorecessem os investimentos privados do capital interno e externo, a produção para
exportação e o direito de remessa de lucros para fora do país. Essas metas nunca foram contestadas nos documentos secretos. Para um estratega da política norte-americana, essas metas praticamente fazem parte do ar que ele respira.

A oposição à democracia e às reformas sociais nunca é popular no país vítima. Não se consegue
estimular muito as pessoas que aí vivem com isso, excepto um pequeno grupo ligado às empresas norte-americanas, que naturalmente vai lucrar com isso. Os EUA esperam contar com a força e fazer alianças com os militares - "o grupo menos antiamericano da América Latina", como disseram os estrategas de Kennedy -, de modo que se pode confiar neles para esmagar qualquer grupo popular local que saia do controle. Os EUA estão dispostos a tolerar reformas sociais como na Costa Rica, por exemplo, somente quando são eliminados os direitos dos trabalhadores e preservadas as condições para os investimentos estrangeiros. Devido ao governo da Costa Rica ter sempre respeitado esses dois princípios imperativos é que o deixaram seguir com as suas reformas.

Outro problema que é repetidamente apontado nesses documentos secretos é o excessivo
liberalismo dos países do Terceiro Mundo. Esse é particularmente o problema da América Latina,
onde os governos não estão suficientemente comprometidos com o controle de ideias, restrições de viagens e onde o sistema judicial é tão deficiente que exige prova para acusação de crimes.
Essa foi uma das constantes queixas durante o período Kennedy (depois dele, os arquivos não foram mais colocados à disposição do público). Os liberais de Kennedy eram inflexíveis sobre a
necessidade de vencer os excessos democráticos que permitem a "subversão", que para eles, claro, significava pessoas com pensamento errado. Os EUA não primam, no entanto, pela falta de compaixão pelos pobres. Em meados da década de 1950, por exemplo, o nosso embaixador na Costa Rica recomendou que a United Fruit Company, que basicamente governava a Costa Rica, apresentasse "uma ligeira e superficial encenação de interesse humano em relação aos trabalhadores, pois isso poderia ter um grande efeito psicológico". O secretário de Estado John Foster Dulles concordou, dizendo ao presidente Eisenhower que, para manter as massas da América Latina na linha, "há que adulá-las um pouco, para fazê-las pensar que você gosta delas" .
Exposto tudo isso, é fácil entender a política dos EUA para o Terceiro Mundo. Somos radicalmente opostos à democracia se os seus resultados não podem ser controlados. O problema com as democracias verdadeiras é que elas podem fazer os seus governantes caírem na heresia de responderem às necessidades da sua própria população, em vez das dos investidores norte-americanos.

Um estudo do sistema interamericano, publicado pelo Instituto Real de Assuntos Internacionais, em Londres, concluiu que, enquanto os EUA falsamente louvam a democracia, o seu verdadeiro compromisso é com a "empresa capitalista privada". Quando os direitos dos investidores são
ameaçados, a democracia tem de desaparecer; se esses direitos são salvaguardados assassinos e
torturadores são bem-vindos. Governos parlamentaristas foram derrubados com o apoio dos EUA e, algumas vezes, com intervenção directa. No Irão, em 1953; na Guatemala, em 1954 (e em 1963, quando Kennedy apoiou o golpe militar para evitar a ameaça do retorno à democracia); na República Dominicana, em 1963 e 1965; no Brasil, em 1964; no Chile, em 1973, e frequentemente em outros lugares. A nossa política em geral tem sido a mesma, tanto em El Salvador como em outras partes do mundo. Os métodos não são lá muito agradáveis. O que as forças contra-insurgentes americanas fizeram na Nicarágua, ou o que os nossos substitutos terroristas fazem em El Salvador ou na Guatemala, não é apenas matança comum, o principal componente é a tortura brutal e sádica, batendo bebés contra pedras, pendurando mulheres pelos pés, com os seios cortados, a pele do rosto escalpelada, para sangrarem até a morte, ou cortando a cabeça de pessoas, colocando-as em estacas. A questão é esmagar o nacionalismo independente e as forças populares que possam construir uma democracia genuína.

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