"Há lodo no cais!...
O movimento de cidadãos de Lisboa contra a ampliação do Terminal de contentores de Alcântara, de que sou um dos fundadores, anunciou no passado dia 27, em conferência de imprensa, que iria abrir uma subscrição pública contra o decreto-lei que autorizou a celebração de um contrato entre a Administração do Porto de Lisboa (APL) e a concessionária Liscont. O objectivo da petição (que atingiu o mínimo de 4000 assinaturas necessárias em 24 horas), foi entregar na Assembleia da República um pedido de ratificação parlamentar do decreto do Governo. O pedido está entregue e isso significa que os deputados vão ter de apreciar o diploma do Governo e poderão revogá-lo, se assim o ditar a sua consciência e a sua noção de interesse público. Sabedora disto, a APL tratou de, logo no dia seguinte, assinar a correr o dito contrato com a Liscont, mediante o qual esta ficou desde logo garantida com uma brutal indemnização no caso de o projecto não ir adiante. Tudo devidamente cozinhado entre dois conhecidos escritórios de advocacia de negócios, muito socialistas.
Há quem considere isto uma falta de respeito inadmissível pela Assembleia da República, por parte de um organismo público, que administra coisa pública e cuja tutela cabe ao Governo. Há quem considere também uma estranha noção do que é a vida democrática e a consideração devida pela opinião pública. Eu não considero nada disso. Considero um escândalo, puro e simples. Um gesto que diz tudo sobre a dimensão dos interesses que estão em jogo e a influência que alguns muito poderosos têm sobre os actos da governação pública. É o Estado cativo de interesses privados. Terceiro-mundo.»
Miguel Sousa Tavares, in "Expresso de 08.11.2008
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