Charlie McCreevy é irlandês e foi, até Fevereiro de 2010, comissário para o Mercado Interior e Serviços. Saltou da Comissão Europeia para a companhia aérea Ryanair. Isto depois de muitas queixas de outras companhias aéreas pelo financiamento público a esta low-cost. E também arranjou emprego na NBNK Investments PLC, depois de ter sido um dos principais responsáveis pela regulação bancária na União. Meglena Kouneva é búlgara e foi comissária para a Protecção do Consumidor. Foi para o BNP Paribas, depois de ter elaborado a "Directiva Crédito", simpática para as instituições bancárias. Benita Ferrero-Waldner é austríaca e foi Comissária para as Relações Externas e Política Europeia de Vizinhança e entrou para o conselho fiscal da Munich Re, a principal empresa de resseguros da Alemanha, depois de se ter empenhado no projecto Desertec de abastecimento de electricidade da Europa por uma rede de centrais solares na África do Norte. Negócio onde a mesma Munich Re tinha um papel central. Gunter Verheugen é alemão e foi vice-presidente da Comissão. Depois de a abandonar foi para o Banco Real da Escócia, para a agência de influências Fleishman-Hillard e para a instituição bancária BVR. Mais relevante: criou a sua própria agencia de lobbying para servir empresas e grupos de pressão junto das instituições europeias, incluindo a comissão que ainda há pouco integrava. Dos 13 ex-responsáveis que deixaram a Comissão Europeia em Fevereiro de 2010, seis já estão a trabalhar no sector privado, quase todos contratados por empresas que de uma forma ou de outra foram afectadas pelas suas decisões, muitos deles sem experiência empresarial relevante anterior à sua entrada na Comissão. Da política para a Comissão, da Comissão para grandes empresas europeias. A história dos caminhos paralelos destes comissários foi publicada na bastamag.net e vem ma edição portuguesa do Courrier Internacional deste mês. E ela é-nos muito familiar: políticos que usam os lugares públicos para favorecer as empresas que mais tarde os vão contratar. E que nessas empresas usam depois a sua rede de contactos políticos para que elas continuem a ser beneficiadas. Ao contrário do que muitos pensam, esta promiscuidade não é uma particularidade portuguesa. Ela é comum a quase todas as democracias e chega mesmo aos mais altos responsáveis políticos. Por isso, não deixo de sorrir com a demagogia ingénua, que se entretém com salários de deputados e outros gastos do género. Não é aí que os Estados perdem dinheiro. O salário que conta não é pago directamente nem no momento em que o cargo é exercido. É depois de alguns políticos sem qualquer sentido de serviço público tratarem de interesses privados, lesando os cidadãos e as instituições que deveriam defender. A verdade é que na Europa, como em Portugal, muitos cargos políticos estão nas mãos de mercenários que os põe ao serviço de quem há-de pagar mais. Não há lei de incompatibilidades que resolva isto. Quando os cargos são electivos, caberia à comunicação social seguir o rasto de ex-políticos e comparar as suas funções actuais com as decisões que tomaram no passado. Para que os partidos que escolheram aquelas pessoas para gerir o que é de nós todos serem punidos pelos eleitores. Quando não o são, como é o caso da Comissão Europeia, a coisa torna-se mais difícil. E esse é o drama da burocracia europeia: os cidadãos não as podem controlar. E são estes homens e mulheres, que ninguém conhece fora de Bruxelas e dos seus países de origem, que tomam as principais decisões que determinam as nossas vidas. Em Portugal, a democracia está anémica e ninguém é responsabilizado por nada do que fez ao serviço de quem lhe paga mais tarde. Na Europa, não há democracia nenhuma e são os lóbis que tratam das nossas vidas. Num e noutro caso a política está à venda. Nós somos apenas um pormenor.
Artigo aqui.
A democracia está anémica, tísica e em decomposição avançada!
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