Uma das propostas de Paulo Portas para o recomeço do ano político foi um referendo à possibilidade de julgar em 48 horas quem seja apanhado em flagrante delito a cometer um crime. Não vou aqui perder tempo com os perigos de um referendo em matéria penal ou com o que já existe na lei sobre esta matéria. Isso fica para outra jornada. Aquilo de que quero falar é desta forma de fazer política. É evidente que o "sim" venceria num referendo deste género. E se se propusesse um julgamento em 48 horas para todo o tipo de crimes também. E se fosse para reintrodução da pena de prisão perpétua também. E de trabalhos forçados. E provavelmente da pena de morte. Porque a aprendizagem dos direitos cívicos, sem os quais não há uma verdadeira democracia, demora tempo. Paulo Portas corresponde, em parte, a um determinado tipo de político: explora, antes de mais, o medo. E explorar o medo é explorar a irracionalidade das pessoas. Quem faz política usando a irracionalidade alheia não é só intelectualmente preguiçoso. É eticamente leviano e politicamente irresponsável. E explora o medo plausível, porque só esse tem uma eficácia esmagadora. Assim como o desprezo pelo imigrante e a raiva ao vizinho que recebe o rendimento mínimo. Explora a irracionalidade maioritária, que nasce de percepções difusas da realidade que se conhece. Até aqui, nada de novo. Foi feito, por políticos destrutivos, vezes sem conta na história. Mas Portas corresponde também a um novo tipo de populista. Nele se incluem homens como Nicolas Sarkozy ou como o falecido Pim Fortuyn. Gente inteligente, intelectualmente sofisticada, mas que aposta a sua sobrevivência política nos instintos mais primários dos cidadãos: o medo, a vingança, o preconceito, o racismo, a intolerância. Não são boçais como Bossi ou Le Pen. Conquistaram maior respeitabilidade e alguma patine cultural. Estão mais próximos das elites e movem-se melhor nos meios mediáticos. E são, por isso, muito mais perigosos. O que arrepia nuns passa por razoável neles. Tem havido algum pudor em chamar a Portas o que ele é: o líder da extrema-direita portuguesa. Por ser sofisticado; por se ter, na medida do possível, afastado da herança salazarista que marca a direita radical portuguesa; por não corresponder ao estereótipo de um ultraconservador; e por ser líder de um partido com alguma tradição democrata-cristã. Mas se olharmos com atenção, a agenda do CDS aproxima-se da agenda de toda a extrema-direita europeia: combate à imigração e aos apoios sociais para os mais pobres e um discurso securitário e obcecado pela ordem (na escola, nas empresas, na rua). Mas talvez devêssemos pensar que se se parece com a extrema-direita, age como a extrema-direita e fala como a extrema-direita é bem capaz de ser mesmo a extrema-direita. Junta-lhe apenas um pormenor: o liberalismo económico. E a questão é saber se foi a extrema-direita que cedeu ao Capitalismo que dizia combater no passado ou se foram os "liberais" que cederam ao populismo da extrema-direita. Inclino-me para a segunda. E ao decidirem seguir este caminho escolheram um espaço político. Um espaço em relação ao qual a direita civilizada tinha obrigação de manter um cordão sanitário. Em França não só não o manteve como adoptou como seu uma das mais sinistras figura deste novo tipo de populista. Para que esse cordão sanitário exista e se mantenham fechados no baú da história fantasmas do passado seria necessário começar por dizer que o rei vai nu: Paulo Portas não está, pelo seu populismo desbragado, no arco da direita democrática. Tem apenas a vantagem de, com a sua presença, travar o crescimento de uma extrema-direita violenta. Mas nem por isso deixa de ser o que é.
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