Aproveito as desventuras causadas por culpa de um vulcão na Islândia para, de avião em avião, de aeroporto em aeroporto, pôr em dia a leitura de jornais da última semana. No essencial dão conta de um país ocupado a discutir prémios de gestores e corrupção. Os debates já vão longos, os argumentos são muitos e inteligentes. Em condições normais pouco mais haveria a acrescentar a um ou a outro. Mas se regresso aos temas é porque constato, com pena, que há bastante mais em comum entre eles do que temos vindo a querer assumir. E, seguramente, muito mais do que seria saudável e desejável. Não estão a ver o que liga muitos dos bónus, os submarinos, a putativa compra da TVI e as aventuras do Figo? Pois a verdade é que as coincidências existem e estão à vista de todos. Seguramente não na gravidade mas nas causas e nas consequências.
No princípio, nas causas, era o Estado. Era e continua a ser. Obviamente porque já foram do Estado as empresas que, em 2009, se revelaram mais generosas a distribuir prémios de desempenho aos seus gestores. Mas sobretudo porque continuam a ele umbilicalmente ligadas. Seja por via das participações (directas ou de empresas públicas), seja por via de uma suposta regulação que continua a exercer (ou não) nos mercados oligopolísticos ou mesmo monopolísticos em que estas empresas actuam. E que mais há além do Estado e da corja de parasitas que o rodeiam, nos negócios de submarinos, nas trapalhadas do licenciamento do Freeport e nas aventuras deprimentes de um parque tecnológico que serve como guarda avançada para comprar televisões ou para financiar campanhas políticas? O Estado, sempre o Estado. O seu peso atrofiante, os seus tentáculos imensos, a rede de interesses e o caldo de dependências que promove, estão, goste-se ou não da ideia, no centro de todas estas polémicas. Tivesse ele o tamanho que se recomenda e, aposto, de todas estas poucas vergonhas talvez sobrasse o caso dos submarinos. E já não seria pouco.
Mas não são só as causas que ligam todas estas trapalhadas. É também o resultado, a consequência profunda de todos estes casos que insistem em repetir-se com uma cadência cada vez mais assustadora, sem que ninguém lhes ponha cobro: estamos a criar uma sociedade em que se instala a sensação de que vale tudo. E sobretudo de que a prevaricação compensa. Estamos a construir uma sociedade que premeia o concubinato entre os poderes político e económico, uma sociedade que incentiva os aventureiros do capitalismo sem capital, uma sociedade em que o "chico-espertismo" é o paradigma máximo do sucesso e em que a corrupção é, cada vez mais a língua franca da economia. Estamos, em suma, a construir uma sociedade em completa falência ética. E este é talvez o aspecto mais grave de toda esta história. Porque é toda uma geração que está a olhar para nós e a ser educada com estes edificantes exemplos. Porque é toda uma geração que está a ser educada a considerar que a justiça, a probidade, a rectidão e a competência do trabalho verdadeiro são virtudes anacrónicas e absolutamente dispensáveis para alcançar o sucesso que, legitimamente, almejam. Vão ser precisos muitos anos, acreditem, para reconstruir o que resta desse capital social que estamos a desbaratar.
Artigo aqui.
Embora não concorde com a questão neoliberal e eminentemente a pedir mais capitalismo selvagem do peso do Estado, não posso deixar de salientar a acertividade das palavras do autor quanto à falência ética da sociedade. Não posso assim ser acusado de ser tendencioso...
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