A explicação surge de forma simples e sem margem para dúvidas: surgiram «indícios muito fortes da existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo, nomeadamente o senhor primeiro-ministro» , visando «a interferência no sector da comunicação social e afastamento de jornalistas incómodos». Isto a três meses das eleições legislativas e com «prejuízo» para a PT. Os órgãos e as pessoas visadas nesse «plano» eram, em primeiro lugar, a TVI, José Eduardo Moniz e Manuela Moura Guedes. Mas mais: «resultam ainda fortes indícios de que as pessoas envolvidas no plano tentaram condicionar a actuação do senhor Presidente da República». Estas são as palavras usadas pelo procurador da República e pelo juiz de instrução do processo ‘Face Oculta’ para fundamentar os despachos que deram, em final de Junho do ano passado, mandando extrair certidões para que fosse instaurado um inquérito autónomo ao referido «plano», que consideravam consubstanciar um crime de «atentado contra o Estado de Direito». São estes despachos – até agora desconhecidos, do procurador João Marques Vidal e do juiz de instrução António Gomes – que o SOL revela e publica nesta edição. A sua leitura integral, bem como das principais escutas telefónicas que os suportam, permite perceber as razões por que dois magistrados consideraram que devia ser instaurado um inquérito que visaria directamente o primeiro-ministro e vários gestores da área do PS, alguns já arguidos no ‘Face Oculta’. O primeiro alerta foi dado no dia 12 de Junho por Teófilo Santiago, director da Polícia Judiciária de Aveiro e coordenador no terreno das investigações do ‘Face Oculta’. Entre as vigilâncias e escutas telefónicas montadas aos arguidos Armando Vara e Paulo Penedos – suspeitos, juntamente com altos quadros de grandes empresas públicas, de colaborar nos crimes de corrupção e tráfico de influências que permitiram ao empresário de Ovar, Manuel Godinho, ganhar uma série de concursos na área dos resíduos industriais – tinham surgido «situações» que lhe suscitavam «sérias dúvidas quanto à sua legalidade». Em causa estavam as conversas de Paulo Penedos, dirigente do PS e assessor da PT, e de Armando Vara, antigo dirigente socialista e então vice-presidente do BCP. O primeiro falava com o administrador executivo Rui Pedro Soares – seu superior hierárquico e que no dia 3 de Junho fora a Madrid num avião a jacto, falar com a Prisa, proprietária da TVI – e outros altos quadros da empresa. Vara falava com empresários e com o primeiro-ministro, José Sócrates. Percebia-se que havia já um «negócio» com contornos definidos, de aquisição de parte da TVI pela PT, de uma forma encapotada. No dia 23 de Junho, o procurador Marques Vidal mandou extrair certidão para se abrir um inquérito a estes factos. E justificou: há «fortes indícios da existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo para interferência no sector da comunicação social visando o afastamento de jornalistas incómodos e o controlo dos meios de comunicação social». Um plano que se «concretizaria através de uma rede instalada nas grandes empresas e no sistema bancário» e que recorria até «a prestação de informações falsas às autoridades de supervisão». O magistrado explicava ainda que a precipitação dos acontecimentos (o negócio iria ser assinado daí a dois dias) obrigava a avançar com urgência para a investigação. Para isso, pedia ao juiz de instrução que autorizasse a extracção de cópias das escutas, bem como dos relatórios policiais com os respectivos resumos. Nestas estavam incluídas as conversas de Vara com Sócrates. O juiz, António Gomes, aceitou esta valoração das provas e disse mesmo que existiam «indícios muito fortes» – autorizando as cópias dos documentos e das escutas. Estas duas certidões foram de imediato remetidas «em mão para superior apresentação», uma vez que o Ministério Público (MP) de Aveiro não tinha competência territorial para tal, além de estar em causa o primeiro-ministro. Seguiram-se, nos meses seguintes, mais seis certidões, que incluíam outras escutas telefónicas entretanto surgidas sobre o assunto e também documentos pedidos pelo procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro. Daí se ter assistido ao que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha Nascimento, qualificou a certa altura como «certidões aos bochechos». Como se sabe, estas certidões foram apreciadas pelo PGR e por Noronha Nascimento, por estar em causa José Sócrates. Em Setembro e em Novembro, ambos consideraram não haver razão para instaurar um inquérito – um contraste muito grande com as argumentações do procurador e do juiz de Aveiro. Pinto Monteiro, que nunca divulgou os seus despachos e respectiva fundamentação, anunciou em dois comunicados sucessivos (14 e 21 de Novembro passado) que «não existiam indícios probatórios» e que as matérias oriundas de Aveiro padeciam de «irrelevância criminal». Isto além de não poderem ser usadas como prova, pois só o presidente do STJ pode autorizar escutas que envolvam o primeiro-ministro. Noronha mandou destruir essas escutas e foi mais longe, num despacho divulgado em Dezembro: «O conteúdo [das escutas] em que interveio o primeiro-ministro, não revela qualquer facto, circunstância, conhecimento ou referência, susceptíveis de ser entendidos ou interceptados como indício ou sequer como sugestão de algum comportamento com valor para ser ponderado em dimensão de ilícito penal». Além do contraste, existe um mistério sobre o que se terá passado ao nível do MP, que resultou na existência de decisões díspares. Como o PGR já revelou, houve reuniões «entre Maio e Junho», ao mais alto nível (Pinto Monteiro, João Marques Vidal e Braga Themido, procurador-distrital de Coimbra) só para discutir o ‘Face Oculta’.
Notícia aqui.
É como vos dizia no outo dia. Está a chegar a hora de desembrulhar as G-3.
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