Há mais de 200 anos, o economista do mercado livre Thomas Malthus rejeitou a ideia de que toda gente devia ter direitos à , em favor de uma distinção entre pobres "merecedores" e "não merecedores". Os pobres eram pobres porque lhes faltava contenção e disciplina, não devido à privatização da terra. Esta é a essência do argumento do excesso de população – que o número crescente de pessoas é que faz com que os recursos se tornem escassos. Hoje, o mesmo argumento é cada vez mais usado em debates sobre o clima para justificar o porquê da colonização do futuro por determinados interesses e para privatizar mercadorias tidas em comum. A conversa é às vezes sobre populações prolíficas estarem a fazer com que cidades inteiras se percam por inundações pelo seu excessivo contributo em emissões de gases de efeito de estufa – a menos que sejam concedidos a empresas poluentes direitos de propriedade da atmosfera através de esquemas de comércio de carbono tais como os créditos de compensação (offset). Malthus foi forçado a admitir que as suas séries matemáticas e geométricas de aumento de alimentos e de humanos não eram observáveis em nenhuma sociedade. Durante 200 anos as suas teorias e argumentos têm sido refutadas, vezes sem conta, através de demonstrações de que qualquer problema atribuído a números humanos pode ser mais convincentemente explicado pela desigualdade social ou por a correlação estatística ser ambígua. Se mais de um milhão de pessoas não têm acesso a água potável segura, é porque, tal como a comida, a água é habitualmente controlada e corre para os que têm mais poder negocial: indústria e grandes agricultores em primeiro lugar, consumidores ricos a seguir. Os pobres, cuja água é poluída por efluentes industriais, exportada em géneros alimentícios ou deixada correr pelo cano abaixo por um consumo de desperdício de outros, são os últimos a ser considerados.
Estudos realçaram as contradições ao tentar correlacionar crescimento populacional com emissões de carbono, ambos históricos e preditos. Descrevem como os países industrializados, com apenas 20% da população mundial, são responsáveis por 80% do dióxido de carbono acumulado na atmosfera. Os países com as maiores emissões de gases de estufa são os que têm crescimento populacional lento ou em declínio. Os poucos países do mundo em que as taxas de fertilidade das mulheres permanecem altas têm as emissões de carbono per capita mais baixas. Os números agregados das emissões per capita, contudo, ainda tendem a obscurecer quem está ao certo a produzir gases de efeito de estufa e como o faz, ao nivelarem estatisticamente as emissões entre todos. Uma estimativa é a de que é o meio milhão mais rico do mundo, uns 7% da população global, o responsável por metade das emissões de dióxido de carbono no mundo, enquanto que, inversamente, os 50% mais pobres são responsáveis por 7% das emissões. Os números populacionais, ao todo, não oferecem qualquer apontador útil para políticas que deviam ser adoptadas para atacar as alterações climáticas. O uso intensivo de combustível fóssil em sociedades industrializadas não pode ser contrariado por se distribuírem preservativos. Nem reduzir os número de nascimentos irá fazer mossa aos subsídios anuais massivos, avaliados em 200 milhares de milhões de Dólares, que as companhias de energia recebem em deduções fiscais nos combustíveis fósseis, dando-lhes uma vantagem injusta em relação às alternativas com pouco recurso a carbono.
Mas pode-se argumentar que os factos, números e explicações alternativas, se bem que necessários, nunca tiveram muito efeito nos debates sobre população nem nas discordâncias sobre políticas. O que se deve, no fundo, a que estas são discordâncias políticas e culturais e não matemáticas. Os argumentos sobre o excesso de população e as políticas neles baseadas persistem, não por qualquer mérito intrínseco, mas por causa das vantagens ideológicas que oferecem aos interesses políticos e económicos poderosos no sentido de minimizar a redistribuição, de restringir os direitos sociais e de promover e legitimar seus objectivos. De facto «gente a mais» dificilmente será a opinião que se ouve sobre esta questão.
O que explica parcialmente porque aqueles que se considera serem excedentários não são os que tiram proveito da continuada extracção de combustível fóssil mas sim os mais prejudicados por ela e pelas alterações climáticas. Desde Malthus o que está insinuado no «excesso» em «excesso de população» foram invariavelmente as pessoas mais pobres ou de pele mais escura, ou pessoas de colónias e países do Sul – ou uma combinação dessas três coisas. Outras categorias são acrescentadas cada vez mais à lista de «alvos» do excesso de população: os idosos, os portadores de deficiência, os imigrantes e os que precisam de subsídios e de assistência social.
Artigo traduzido por Paula Sequeiros aqui.
O capital e a sua inesgotável apetência para distorcer a realidade em proveito próprio...
Sem comentários:
Enviar um comentário