"No nosso sistema político, compete, por excelência, ao Parlamento, a tarefa de legislar sobre todos os sectores da vida em sociedade. Nesta função é obrigação dos deputados, não só produzirem boas leis, mas, sobretudo, terem a preocupação de fazer aprovar leis que respeitem e estejam conformes ao texto constitucional. Os deputados não podem aprovar leis que são inconstitucionais. Entre nós, porém, a situação é diferente. Também no processo legislativo temos a marca genética da nossa originalidade. Na casa das leis, o respeito pela Constituição deveria ser uma normal prioridade. Creio que os deputados não cumprem bem a sua missão constitucional, quando põem à frente dos princípios constitucionais, os interesses partidários e das suas clientelas. Até porque juraram cumprir e fazer cumprir a Constituição e não os interesses de grupo. E o mais grave disto tudo é que têm consciência desta triste realidade.
Se o cidadão normal conhecesse os corredores do Parlamento e a forma como as leis são discutidas e aprovadas pelos grupos partidários aí com assento, nas várias comissões legislativas, dava-lhe com certeza uma apoplexia. Em regra, o processo de criação de leis é desorganizado e realizado de forma caótica, muitas vezes por pessoas que não fazem a mais pálida ideia do que está ser discutido. Daí a quantidade de leis aprovadas pelo Parlamento, depois declaradas inconstitucionais. Hoje é a regra mesmo em leis estruturantes.
E não se diga que isto acontece devido às diferentes formas de interpretar a Constituição. Não, isto sucede porque a Constituição, que deveria ser o farol de orientação na produção de leis inferiores, as mais das vezes não constitui a primeira preocupação. Para os deputados, existir ou não a Constituição é praticamente indiferente, porque esta, em termos substantivos, é considerada letra morta. Mesmo sendo inconstitucional, aprova-se a lei e depois o Tribunal Constitucional que diga de sua justiça. Esta técnica ‘conspirativa’ não é uma boa regra.
Na degradação da legislação, o jogo que jogam os deputados é o da sobrevivência política. Pois bem, tenho para mim que as inconstitucionalidades deveriam ser sempre expurgadas pelo Parlamento, por certo com menos e melhores deputados. Ou, então, por um outro órgão intermédio, que, de forma científica e com sistematização, fizesse este trabalho prévio. O Parlamento saía mais prestigiado e os custos financeiros para o País eram menores."
Rui Rangel (Juíz Desembargador).
Notícia aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário