Portugal está infestado de barões e tubarões. Saídos das zonas mais sombrias onde a política se negoceia como em leilão, são aquela espécie de gente mesquinha e umbigal, soturna, que olha de soslaio, as faces rígidas como estátuas, as vozes brandas, cavas, e sempre, mas sempre, a vénia subserviente ao Poder, como quem diz: paga-me bem que faço tudo o que quiseres, dá-me um cargo dos altos que eu cubro-te os erros, aturo-te as más disposições, faço de culpado para te aliviar a carga, calo-me quando me mandas calar, falo quando me mandas dizer o que queres que se diga, conspiro a teu favor, sou teu escravo a lamber-te os pés. Ao longo de três décadas de regime, para além de uma democracia que atira no pé todos os dias e um subdesenvolvimento gritante, as elites políticas deixaram-nos esta praga: a dos gestores públicos, ou também chamados de: políticos da sombra. Esta gente não quer nada com o desenvolvimento, nem com o país, nem com o bem-estar dos portugueses, nem sequer com a boa gestão. Quer, isso sim, tirar partido da sua influência e manobra política para agarrar a nata dos vencimentos patrocinados pelo Estado. E é vê-los, hoje aqui, amanhã ali, numa dança de roda que os mantém sempre ao compasso. Nunca estão desempregados pois, mal são afastados na empresa xis, logo se colocam na empresa ypslon. Anos a fio chuchando na sumarenta teta, e já julgam que o país é só deles. Mexem nas empresas como suínos na pia, pois tudo lhes pertence. O erário público e as formas de lhe meter as mãos são o campo onde melhor caminham, conhecendo-lhe as ruas principais, as vielas, os atalhos. A sombra é onde estes políticos se manobram melhor. Assim, não raro é vermos este ou aquele, de quem não tínhamos notícias há anos, a aparecer de surpresa à frente de uma qualquer empresa pública onde (pensávamos nós na nossa ignorante consciência) julgávamos ser necessária mais aptidão e sabedoria. No fundo, esta gente não é especialista em nada, a não ser nessa tal arte de se movimentar por entre as necessidades dos maiorais a troco de salário chorudo e mordomias anafadas. Mas se existem, é porque têm a sua utilidade. Há neste mundo duas espécies de políticos: os que querem deter o Poder, fazer carreira, chegar ao topo, e os outros, que não querem assumir responsabilidades governativas mas que servem as ambições dos primeiros. São estes últimos uma espécie de degraus por onde hão-de subir os primeiros em segurança. Por isso assumem esta função de escada com a descrição que lhes é exigida. E aguardam, porque uma das suas funções é aguardar, na tal sombra, a altura em que os seus serviços são reclamados. E então é vê-los a assumirem o papel de maus da fita para que o senhor ministro não saia molestado, a assumirem a execução de outras tantas que indignarão os cidadãos. Nesta questão de “assumir”, reconheça-se, são mestres. A vergonha é coisa que não cultivam. Mas também servem para manobrarem dados, torcerem estatísticas, disfarçarem catástrofes, ou, em sentido contrário, embelezarem o podre da decisão, perfumarem o estrume da ordem dada, pintarem de rosa o negro da situação. Quando muda o Governo, lá andam eles, baratas tontas nos corredores de S. Bento, nas sedes dos partidos, nos bares da boémia política, nos bordéis das amantes dos ganhadores. Cedo conseguirão, por trocas e baldrocas, o tal posto. Como vêem, já falamos de tudo menos de competência. Nem é preciso. Quem pensa em competência numa altura destas? Quando o chefe precisa de todo o apoio, quem quer saber da boa gestão? Portugal está infestado destes barões. As nossas empresas públicas estão como estão porque são mal dirigidas. Não são geridas com sapiência porque quem as dirige é pouco sapiente. As nossas empresas públicas transformaram-se hoje numa enorme casa de repouso (de luxo) onde se amontoam centenas de políticos no mais completo lazer. E a nossa tragédia é esta: é impossível que alguém, por mais competente que seja, sonhar sequer que algum dia pode estar à frente ou fazer parte da gestão dessas empresas. Hoje em dia é impossível aceder a qualquer cargo nas administrações dessas empresas sem ter o cartão de militante deste ou daquele partido. A nossa juventude corre assim às sedes dos partidos a inscrever-se, pois os mais avisados sabem que quanto mais cedo o fizerem, melhor. Afinal, esta coisa da antiguidade ainda não é um bem desprezível como se pensa. A partidarização da nossa cidadania transformou-se num execrável exercício de compadrio, uma porta aberta à corrupção, à indignidade, à traição à pátria. E também num impressionante sorvedouro do dinheiro que é de todos nós. Porque toda esta gente está escandalosamente bem paga. Ganham não sei quantas vezes o que ganha um Primeiro-ministro ou um Presidente da República, e antes dos cinquenta já estão com reformas de milhares. Trazem carros das empresas, os telemóveis, os cartões de crédito, as casas e sei lá mais o quê! Rapam tudo como uma praga em milheiral maduro. Políticos da sombra, são uma das tragédias de um país que ainda não entendeu como esta gente afoga a pátria. Em Portugal, os partidos existem para se arranjarem empregos, e não acho que a grande maioria dos portugueses pense que servem para mais alguma coisa. Podiam e deviam servir, de facto, para melhorar a nossa qualidade de vida, o nosso progresso, a nossa afirmação como nação. Mas aquilo que têm conseguido, para além das crises económicas sucessivas que nos arrastaram para a cauda de uma Europa onde arrancámos com alguma folga, é somente sacrificarem-nos, sugarem-nos o tutano, enquanto que eles, os tais políticos da sombra, vivem como nababos no conforto dos seus cargos. Se tudo isto que eu disse fosse mentira, há muito que tinham posto um ponto final nestas mordomias inexplicáveis e os salários teriam uma maior contenção. Mas não. Quem Governa reconhece os excessos, concorda que é necessário pôr um travão nos abusos, assina por baixo o aumento dos níveis de exigência funcional, mas, no final, deixa tudo como está. Um retoque aqui, um remendo ali, para dar uma imagem reformista, mas tudo fica igual. Afinal, que seria deles se não fossem os políticos da sombra? Espécie de anjos (salvo seja) da guarda, de uma classe política que nos levou à miséria em que vivemos.
Há 3 anos
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