Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força.
Os termos do discurso político têm tipicamente dois significados. Um é o significado do dicionário,
e o outro é o significado utilizado para servir ao poder – o significado doutrinário. Veja-se o termo democracia. De acordo com o significado comum, uma sociedade é democrática para que uma extensa parte do povo possa participar, de modo significativo, da direcção dos seus interesses. Mas o sentido doutrinário de democracia é diferente: ele refere-se ao sistema no qual as decisões são tomadas pelos sectores da comunidade empresarial e da elite a ela relacionada. O público é apenas “espectador da acção”, não “participante” como os principais teóricos democráticos (neste caso, Walter Lippmann) têm explicado. Ao povo é permitido ratificar as decisões das autoridades superiores e dar apoio a um ou outro representante deles, mas nunca interferir em assuntos – como política pública – que não lhe dizem respeito. Se segmentos do povo saírem da sua apatia e começarem a organizar-se e a entrar na arena pública, isso não será democracia. Será antes uma crise na democracia no exacto uso técnico do termo, será uma ameaça que terá de ser superada de uma ou de outra maneira: em El Salvador, pelos esquadrões da morte, aqui, nos EUA, por meios mais subtis e indirectos. Ou veja-se o termo livre empresa, que na prática se refere ao subsídio público e ao lucro privado, com maciça intervenção governamental para manter um estado de bem-estar para os ricos. Na realidade, é provável que no seu uso corrente qualquer frase contendo a palavra “livre” signifique o oposto do seu sentido real. Veja-se ainda o termo defesa contra a agressão, que é usado – previsivelmente – para se referir à agressão. Quando os EUA atacaram o Sul do Vietname, no início dos anos 1960, o herói liberal Adiai Stevenson (entre outros) explicou que nós estávamos “a defender o Vietname do Sul contra a agressão interna”, isto é, a agressão dos camponeses sul-vietnamitas contra a Força Aérea americana e o exército mercenário mantido pelos EUA, que os arrancava das suas casas para os campos de concentração, onde eles poderiam ser “protegidos” dos guerrilheiros do Sul. De facto, esses camponeses apoiavam com entusiasmo os guerrilheiros, enquanto o regime apoiado pelos EUA era uma casca vazia, com o que todos os lados concordavam. O sistema doutrinário executou tão eficientemente a sua tarefa que até hoje, trinta anos depois, a ideia de que os EUA atacaram o Vietname não é mencionável aqui e conforme tendência geral é até mesmo impensável. As questões essenciais da guerra estão, portanto, fora de uma possível discussão. Os guardiães do politicamente correcto devem estar bastante orgulhosos do seu feito, já que seria difícil repeti-lo, mesmo no mais bem controlado Estado totalitário. Ou veja-se ainda o termo processo de paz; algum ingénuo poderá pensar que ele se refere aos esforços em busca da paz. Sob esse aspecto, poderíamos dizer que o processo de paz no Médio Oriente inclui, por exemplo, a oferta de um completo plano de paz feita a Israel pelo presidente Sadat, do Egipto, em 1971, de acordo com posições defendidas praticamente pelo mundo inteiro, inclusive pela política oficial norte-americana; a resolução do Conselho de Segurança, de janeiro de 1976, apresentada pelos principais países árabes, com o apoio da OLP, que propunha um acordo entre os dois países em conflito, em termos de um consenso internacional quase unânime; as ofertas da OLP, durante a década de 1980, para negociar com Israel um reconhecimento mútuo e os votos anuais na Assembleia Geral da ONU; mais recentemente, em dezembro de 1990, a convocação de uma conferência internacional (por uma votação de 144 a 2) para solucionar o problema israelo-árabe, etc.
Mas um entendimento sofisticado mostra que esses esforços não fazem parte do processo de paz. O motivo é que, no sentido do politicamente correcto, o termo processo de paz refere-se àquilo que o governo norte-americano está a fazer, nos casos mencionados, isto é, a bloquear os esforços internacionais na busca da verdadeira paz. Os casos citados não entram no processo de paz, porque os EUA apoiaram Israel na rejeição à oferta de Sadat, vetaram a resolução do Conselho de Segurança da ONU, opuseram-se às negociações e ao mútuo reconhecimento entre a OLP e Israel, e regularmente aliam-se a Israel em oposição –de facto vetando efectivamente– a qualquer tentativa de avançar em direcção a um acordo diplomático pacífico na ONU ou em qualquer outro lugar. O processo de paz é restrito às iniciativas norte-americanas, que exigem um acordo unilateral determinado pelos EUA, sem reconhecimento dos direitos nacionais palestinianos. É assim que funciona. Aqueles que não podem dominar a fundo essas manobras devem procurar outra profissão. Há muitos outros exemplos. Veja-se o termo interesse especial. Durante os anos 1980, o sistema bem lubrificado de Relações Públicas republicano acusou os democratas de serem um partido de interesses especiais: das mulheres, dos trabalhadores, dos velhos, dos jovens, dos agricultores, enfim, da população em geral. Havia apenas um segmento da população nunca relacionado como de interesse especial: o das empresas e negócios em geral. isso faz sentido. No discurso do politicamente correcto, o interesse especial deles são os interesses nacionais, o qual todos devem reverenciar. Os democratas protestaram, respondendo que eles não eram um partido de interesses especiais: eles serviam também os interesses nacionais. O que estava correcto, mas o problema deles tem sido a falta da clara consciência de classe dos seus oponentes republicanos. Estes últimos não estão confusos acerca do papel de representantes dos donos e administradores da sociedade, os quais travam uma amarga luta de classe contra a população em geral – frequentemente adoptando conceitos de uma retórica marxista vulgar valendo-se da histeria chauvinista, do medo e pavor a grandes líderes e de outros mecanismos padronizados de controle da população. Os democratas são menos claros acerca das suas lealdades, logo menos eficazes na guerra de propaganda. Finalmente, vejamos o termo conservador, que se refere aos defensores de um Estado poderoso, que interfira enormemente na economia e na vida social. Eles defendem vultosos gastos estatais, máximas medidas proteccionistas pós-guerra e seguros contra o mercado de risco, restringindo liberdades individuais, por intermédio da legislação e dos tribunais conservadores, protegendo assim o Santo Estado da injustificável inspecção de uma reles cidadania. Em resumo, esses programas são justamente o oposto do tradicional conservadorismo. A sua lealdade é para com “aqueles que são os donos da nação” e, portanto, “devem governá-la”, segundo as palavras do patriarca fundador John Jay. Na verdade, isso não é difícil de compreender, uma vez entendidas as regras do jogo. Para o discurso político fazer sentido, é necessário fazer uma contínua tradução para o inglês, descodificando o duplo sentido da comunicação social, dos cientistas sociais académicos e do sacerdócio secular em geral. A sua função não é obscurecer: o seu objectivo é tornar impossível achar palavras que falem sobre problemas de real significado humano, de forma coerente. Então podemos estar seguros que pouco será compreendido sobre como funciona a nossa sociedade e sobre o que está a passar-se no mundo – uma grande contribuição para a democracia, no sentido politicamente correcto da palavra.
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