8 de dezembro de 2008

Urbanismo e corrupção: as mais-valias e o desenvolvimento urbano III. Por José Carlos Guinote.

A singularidade do «caso» português.


Em Portugal, do ponto de vista do modelo de controlo do desenvolvimento urbano, a situação é semelhante à Alemã. Tal como no caso alemão, o controlo do desenvolvimento urbano não envolve a posse do solo. No entanto, as semelhanças acabam aí. Contrariamente ao nosso caso, o sistema de planeamento alemão dá respostas claras a questões como a parametrização do preço do imobiliário, o controlo das mais-valias e a firme repressão de práticas especulativas. O sistema revela-se eficaz a controlar o desenvolvimento urbano e a evitar o aparecimento de fenómenos especulativos e de segregação espacial das populações. No nosso caso a aprovação de um Plano não determina que os solos que o integram sejam imediatamente disponibilizados. Com efeito, não é porque um terreno é tecnicamente e juridicamente construível que ele é efectivamente colocado no mercado para ser construído. A retenção de terrenos é um comportamento especulativo «natural» dos proprietários, que julgam que o valor dos seus terrenos vai aumentar no médio ou no longo prazo e que optam por esperar para poderem maximizar as suas mais-valias. O facto de a fiscalidade fundiária não «encorajar» à disponibilização dos terrenos em função da vontade colectiva, supostamente expressa nos planos urbanísticos, estimula este tipo de comportamentos. No caso português existe uma clara distinção entre a oferta potencial de solos urbanos – que corresponde à oferta do Plano – e a oferta real. A diferença entre as duas dá uma medida das tensões especulativas que se instalam. No caso alemão o carácter imperativo da urbanização torna esta diferença entre oferta potencial e oferta real inexistente. Não podemos minimizar a contribuição que é dada pelo Código das Expropriações [12], que funciona de uma forma exactamente inversa do que acontece com a situação alemã.
Como atrás referi, no caso alemão a expropriação para viabilizar a concretização do Plano implica uma indemnização pelo valor do uso existente. No nosso caso, o Código da Expropriações torna virtualmente impossível a expropriação por utilidade pública, já que na forma de cálculo das indemnizações [13] estabelece claramente que existem dois tipos de solos, aptos para construção e para outros fins, e que o valor do solo apto para construção se calcula por «referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação». Neste quadro, um proprietário de um conjunto de terrenos rústicos que vê os seus terrenos integrados no perímetro urbano e classificados como urbanizáveis pode limitar-se a não fazer nada indefinidamente. Caso a autarquia pretenda expropriá-lo terá que pagar o terreno, não pelo uso existente antes da aprovação do Plano mas com as mais-valias que este gerou. Basta ao proprietário não fazer nada para, mais tarde ou mais cedo, colher as mais-valias geradas pela Administração. Talvez para se assegurar que as mais-valias são integralmente capturadas pelos privados, o governo aprovou recentemente [14]] uma quarta alteração ao Código das Expropriações por ter entendido ser necessário «revogar a disposição constante do Código das Expropriações que determina que ao montante da indemnização será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de Imposto Municipal sobre Imóveis e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos». Trata-se de reconhecer que o terreno tem um valor para efeitos de expropriação muito superior àquele pelo qual estava a ser tributado e de efectuar a correcção do valor tributado nos últimos 5 anos com base nesse novo valor.

Sem a segmentação do mercado de solos e sem o controlo das mais-valias pela Administração não há forma de impedir a pressão urbana sobre os terrenos rústicos e mesmo sobre os solos integrantes das zonas de parques e reservas naturais. Se existissem dúvidas sobre esta matéria aí está a nossa realidade a dissipá-las. A construção fora dos perímetros urbanos não pode ser uma prerrogativa do uso urbano. Só os que vivem da agricultura e da floresta devem poder construir as suas habitações fora dos perímetros urbanos. O uso urbano deve ser confinado aos perímetros urbanos e aí o Sistema de Planeamento deve garantir uma resposta qualificada para todas as necessidades e não apenas para as de maior poder aquisitivo. A protecção dos usos agrícolas e florestais da pressão urbana é uma condição sine qua non para garantir um adequado ordenamento do território. Em Portugal, esta questão é completamente omissa no sistema de planeamento urbanístico. A nossa singularidade é feita destas omissões e traduz-se na adopção de um modelo perequativo [15] em que se assume que as mais-valias são integralmente apropriadas pelos particulares e se opta por tributar as mais-valias urbanísticas em sede de IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas) e de IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares), associando-as a ganhos de capital. Estamos perante uma confusão entre lucros de uma actividade normal de promoção imobiliária e ganhos resultantes exclusivamente de decisões da Administração, a qual é reveladora de que, por via dos Planos Municipais de Ordenamento do Território e de declarações de interesse público, a Administração Pública gera mais-valias simples que o mercado reconhece, mas permite que sejam os privados a capturá-las na sua totalidade, revelando-se incapaz de as recuperar em favor da comunidade.
Notas:
[12] «Código das Expropriações», Lei nº 167/99 de 18 de Setembro de 1999 – Diário da República, n.º 219, I Série A.

[13] Título III («Do conteúdo da indemnização»), art. 23º e seguintes, Lei n.º 167/99 de 18 de Setembro de 1999.

[14] Comunicado do Conselho de Ministros de 7 de Fevereiro de 2008, ponto 5, «Proposta de Lei que procede à quarta alteração ao Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro»: «entende-se necessário revogar a disposição constante do Código das Expropriações que determina que ao montante da indemnização será deduzido o valor correspondente à diferença entre as quantias efectivamente pagas a título de Imposto Municipal sobre Imóveis e aquelas que o expropriado teria pago com base na avaliação efectuada para efeitos de expropriação, nos últimos cinco anos». Disponível para consulta em [www.portugal.gov.pt->www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos

[15] Decreto-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro, revisto pelo Decreto-Lei n.º 310/2003 de 10 de Dezembro; «Princípios da perequação compensatória dos benefícios e encargos», art. 135º e seguintes.

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