21 de abril de 2010

Uma análise social actual.

Testemunho de José António Pinto, 44 anos, assistente social do bairro do Lagarteiro, no Porto, há 13 anos. O especialista tem um contacto diário com a pobreza e alerta para o problema de segurança pública que aí vem...

Culturalmente, permitiu-se que a pobreza fosse olhada com indiferença, diz-se 'A culpa é deles, dos pobres'. Mas fome e pobreza são uma questão de violação dos Direitos Humanos, de não ter acesso a bens e serviços essenciais: casa, conforto, saúde, alimentação, segurança... Por detrás de cada número existem pessoas com direitos, dignidade, potencial e sonhos. A pobreza envergonha-nos a todos: somos todos responsáveis. É necessário combater falsas ideias sobre a pobreza. Não é verdade que sempre que há crescimento económico melhoram os níveis das políticas sociais, nem que está na pobreza quem não quer trabalhar: 35% dos pobres trabalham, mas têm trabalhos miseráveis e precários.

Ouvindo as notícias parece que existe uma crise económica e financeira, mas não social. Outra mentira é dizer que "até nos países ricos há pobres", como se fosse uma inevitabilidade. É preciso lutar todos os dias e acreditar que outro modelo económico é possível, tentar encontrar coesão social para a economia funcionar. Para agir correctamente é preciso compreender. Mostrar o Nokia ou ter parabólica é, para muitos, a única coisa que os puxa para cima. Vivem um paradoxo: não têm oportunidades de integração económica, mas a televisão diz-lhes que a identidade pessoal é construída através da posse. Há quem passe fome por causa da identidade positiva. Interiorizaram que carne e peixe é luxo, 'uma lata de atum e um ovo resolve'. Falta educação para a saúde. É preciso estarmos atentos aos novos pobres que sofrem imenso e não vêm aqui, aos "quimondas", gente que está no posto de atendimento do Lagarteiro a ler Saramago. Neles há uma esperança: têm escolaridade e são politizados, é possível organizar com estas pessoas um movimento de utentes. Os pobres de sempre são mais difíceis de organizar. E quanto mais tempo as pessoas estão na pobreza mais difícil é recuperá-las. Uma coisa é as pessoas não terem dinheiro para comprar livros ou jantar fora. Outra é não terem como comprar leite ou vacinas para os filhos e casos desses temos aqui todos os dias. No mestrado que fiz estudei porque razão algumas pessoas recusavam empregos. Havia vários factores: a má remuneração, o facto de não ser prestigiante, mas o que mais pesava era terem construído uma identidade esfarrapada.

Foram acumulando sucessivos fracassos: na escola, na família, no emprego... Não queriam ser postos à prova para não sofrer de novo. As pessoas estão num percurso de perda: do emprego, da casa, da auto-estima. Derrapam até cair na valeta. É um ciclo: perdem o estatuto e a ambição, sentem-se frustrados, sofrem, odeiam os políticos e a política, refugiam-se em comportamentos desviantes. A fome está associada à segurança pública. Estamos quase a chegar à fase em que se incendeiam carros e matam pessoas. O Estado não cria oportunidades de integração social, mas vai aumentar a despesa com a repressão policial. Não há dinheiro para a coesão social (essencial à economia), mas vai haver para polícias, medidas de segurança, psiquiatras. Ando a pensar organizar um seminário intitulado: "Não há possibilidade da realidade poder contagiar os políticos?".

Artigo aqui.

Infelizmente parece-me que a única coisa que contagia os políticos é o vil metal!

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