1 de dezembro de 2008

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América XI. Por Noam Chomsky.

Transformando a Guatemala um campo de extermínio.

Se houve um lugar na América Central que obteve alguma cobertura pela comunicação social antes da revolução sandinista, esse lugar foi a Guatemala. Em 1944, uma revolução derrubou um tirano odioso, resultando daí o estabelecimento de um governo democrático que se inspirou basicamente no New Deal, de Roosevelt. Nos dez anos de interlúdio democrático que se seguiram, houve o início de um bem-sucedido desenvolvimento económico independente. Isso causou uma verdadeira histeria em Washington. Eisenhower e Dulles advertiram que "a autodefesa e a autopreservação dos Estados Unidos estavam em jogo, a menos que o vírus fosse
exterminado. Os relatórios da Inteligência norte-americana eram muito francos quanto ao perigo representado pela democracia capitalista na Guatemala. Um memorando da CIA, de 1952, descreveu a situação da Guatemala como "adversa aos interesses dos EUA" devido à "influência comunista... baseada na defesa das reformas sociais e da política nacionalista". O memorando advertia que a Guatemala "tinha recentemente aumentado substancialmente o seu apoio às atividades comunistas e antiamericanas noutros países da América Central. Um primoroso exemplo citado foi uma alegada doação de 300.000 dólares a José Figueres. Como já foi mencionado anteriormente, José Figueres foi o fundador da democracia na Costa Rica e o principal líder democrático da América Central. Embora tenha contribuído entusiasticamente com a CIA e tenha chamado os Estados Unidos de "o porta-estandarte da nossa causa", além de ter sido considerado pelo embaixador norte-americano na Costa Rica como "a melhor agência de propaganda que a United Fruit Company poderia encontrar na América Latina", Figueres tinha um estilo independente e, portanto, não era de tanta confiança quanto Somoza ou outros bandidos ao nosso serviço. Na retórica política dos Estados Unidos, isso possivelmente faria dele um "comunista". Então, se a Guatemala tinha dado dinheiro para ajudá-lo a vencer a eleição, isso mostrava que a Guatemala apoiava os comunistas. Pior ainda, o mesmo memorando continuava, as "diretrizes radicais e nacionalistas" do governo capitalista democrático, incluindo a "perseguição dos interesses económicos estrangeiros, especialmente os da United Fruit Company", haviam ganho "o apoio ou aquiescência da maioria dos guatemaltecos". O governo estava obtendo a "mobilização dos camponeses até aqui inertes", e minando, ao mesmo tempo, o poder dos grandes latifundiários.
Além disso, a revolução de 1944 tinha despertado "um forte movimento nacional para libertar a Guatemala da ditadura militar, do atraso social e do 'colonialismo económico', que tinham sido normas do passado", e "inspirado a lealdade e ajustado-se ao interesse da maioria dos guatemaltecos politicamente conscientes". As coisas tornaram-se ainda piores depois de uma bem sucedida reforma agrária começar a ameaçar a "estabilidade" nas nações vizinhas, onde a população sofrida não poderia deixar de notar tais medidas. Em resumo, a situação ficou insuportável para os EUA. Então, a CIA empreendeu um bem sucedido golpe. A Guatemala tornou-se o matadouro que é até hoje, com a intervenção regular dos Estados Unidos sempre que as coisas ameaçam sair fora da linha. No final da década de 1970, as atrocidades estavam novamente a alcançar limites absurdos, provocando protestos verbais. Mesmo assim, ao contrário do que muita gente crê, a ajuda militar para a Guatemala continuou virtualmente a mesma, sob o governo dos "direitos humanos" de Carter. Os nossos aliados também se juntaram à nossa causa - nomeadamente Israel, que é considerado um activo estratega, em parte devido ao seu sucesso em promover terrorismo de Estado. Com Reagan, o apoio ao quase genocídio na Guatemala tornou-se absolutamente fanático. O mais radical dos Hitlers guatemaltecos que nós já apoiamos lá, Rios Montt, foi saudado por Reagan como m homem totalmente dedicado à democracia. No início dos anos 1980, os amigos de Washington rucidaram dezenas de milhares de guatemaltecos, a maioria índios do planalto, além de outros incontáveis casos de pessoas torturadas e violentadas. Grandes regiões foram dizimadas. Em 1988, um jornal guatemalteco recentemente aberto, chamado "La Epoca", foi atacado à bomba por terroristas ligados ao governo. Naquela época, a comunicação social nos EUA estava muito preocupada com o facto de um jornal financiado pelos Estados Unidos na Nicarágua, "La Prensa" - que propunha abertamente o derrube do governo e apoiava o exército terrorista dirigido pelos EUA -, ter sido forçado a deixar de lançar algumas edições devido à falta de papel de imprensa. Isso causou uma torrente de indignação e insultos, no "Washington Post" e em outros lugares, contra o totalitarismo sandinista. Por outro lado, a destruição do "La Epoca", não despertou interesse algum e nem foi noticiada, embora o facto tenha sido bem conhecido pelos jornalistas norte-americanos. Naturalmente, os meios de comunicação de massa norte-americanos não esperavam noticiar que as forças de segurança, financiadas pelos Estados Unidos, tinham silenciado a única voz independente na Guatemala, que havia tentado, poucas semanas antes, levantar-se.

Um ano depois, um jornalista do "La Epoca", Júlio Godoy, que havia fugido após a explosão do
jornal, voltou à Guatemala para uma breve visita. Quando voltou aos Estados Unidos, ele comparou a situação da América Central com a da Europa Oriental. Para ele, os europeus orientais tinham "mais sorte que os centro-americanos", Godoy escreve porquê: Enquanto em Praga o governo imposto por Moscovo degradaria e humilharia os reformistas, o governo da Guatemala, criado por Washington, os assassinaria. Isso ainda continua, num virtual
genocídio que já fez mais de 150.000 vítimas (aquilo que a Amnistia Internacional chama de, "um programa governamental de assassinato político”). A imprensa ou se conforma ou, como no caso do "La Epoca", desaparece. "Somos tentados a acreditar", continua Godoy, "que algumas pessoas na Casa Branca rendem homenagens aos deuses aztecas, oferecendo o sangue centro-americano". E cita um diplomata da Europa Ocidental que afirmou: "Enquanto os norte-americanos não mudarem a sua atitude na região, não haverá aqui espaço para a verdade ou para a esperança”.

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