4 de dezembro de 2008

Mais uma vergonha mundial. O Coltan e a guerra do Congo.

"Coltan" é a combinação de duas palavras que correspondem aos respectivos minerais: a columbite e a tantalite, dos quais se extraem metais actualmente mais cobiçados do que o ouro. Se tomarmos em conta que estes metais são considerados altamente estratégicos e agregarmos que 80% das suas reservas se encontram na República Democrática do Congo, começaremos a vislumbrar porque é que há uma guerra neste país desde o dia 2 de Agosto de 1998, onde dois países africanos, o Ruanda e o Uganda, ocupam militarmente parte do território congolês, e também orque já morreram mais de dois milhões de pessoas. O coltan é essencial para as novas tecnologias de ponta, estações espaciais, naves tripuladas que se lançam no espaço e para as armas mais sofisticadas.
Esta guerra constitui a maior injustiça, à escala planetária, que se está cometendo contra um Estado soberano. Nas últimas décadas, a história ofereceu-nos tristes exemplos de assalto e até da ocupação militar de um país independente. O Iraque invadiu o Kuwait, e os EUA fizeram a mesma coisa em muitos outros países, incluindo o próprio Iraque que fora no passado seu aliado na guerra contra o Irão. Bombardearam-se países como o Afeganistão, a Líbia e o Iraque, amparados por um duvidoso e frágil respaldo da ONU. Mas o que não acontecera desde a invasão de países europeus pela Alemanha de Hitler era a ocupação pura e dura de um território para aniquilar milhares de cidadãos e explorar os recursos minerais do país ocupado. É isso que está acontecer na República Democrática do Congo. O que adiciona gravidade a esta pirataria é a passividade da comunidade internacional. Para aqueles a quem dói toda a opressão, assusta este desprezo por uma parcela da humanidade, duplamente ultrajada. Já ninguém pode ignorar que a guerra de que padece a República Democrática do Congo tem como causa a depredação de metais preciosos e recursos estratégicos. Com isso se enriquecem alguns, e se financia a própria guerra. Os culpados são muitos. Segundo um grupo de especialistas da ONU, que elaborou um relatório sobre a guerra neste país, o Exército Patriótico Ruandês (EPR) montou uma estrutura "ad hoc" para supervisionar a atividade mineira no Congo e facilitar os contactos com os empresários e clientes ocidentais. Criaram-se várias empresas mistas entre os negociadores europeus do coltan e membros do APR e do círculo de pessoas próximas ao presidente ruandês Paul Kegame. Os confrontos entre Hutus e Tutsis há uns anos atrás tinham, como sempre acontece em África, contornos tribais, mas estes foram apenas uma desculpa para os verdadeiros motivos dos continuados massacres entre etnias, ou seja, a depredação por empresas ocidentais dos recursos minerais valiosos, contando com isso com gente corrupta colocada pela violência no poder.
O Exército ruandês translada o mineral em camiões até Kigali, capital de Ruanda, onde é tratado nas instalações da Somirwa (Sociedade Mineira do Ruanda), antes de ser exportado. Os destinatários finais são os EUA, Alemanha, Holanda, Bélgica e Cazaquistão. A companhia Somigi (Sociedade Mineira dos Grandes Lagos) tem o monopólio do sector; é uma empresa mista de três sociedades: Africom (belga), Promeco (ruandesa) e Congecom (sul-africana). Entrega 10 dólares por cada quilo de coltan exportado ao movimento rebelde Reagrupação Congolesa para a Democracia (RCD), que conta com cerca de 40.000 soldados, apoiados pelo Ruanda. "Com a venda de diamantes - declarou Adolphe Onusumba, presidente da RCD - ganhávamos cerca de 200.000 dólares ao mês. Com o coltan chegamos a ganhar mais de um milhão de dólares por mês." A mestiça paquistanesa-burundinesa Azazi Gulamani Kulsum, uma contrabandista famosa na região dos Grandes Lagos, é a gestora da Somigi. Esta mulher começou a sua carreira em Bunia, vendendo tabaco de contrabando. Muito próxima do dirigente hutu burundinês Léonard Nyangoma, era considerada há até pouco tempo a principal abastecedora de armas dos rebeldes ruandeses hutus. Hoje, graças à Somigi, trabalha com o exército ruandês, que a princípio se encontra em Kivu para perseguir os hutus. Informações reservadas da ONU revelam que o tráfico é organizado pela filha do presidente cazaque, Nursultan Nazarbaev, através de sociedades mistas belgas. A filha de Nazarbaev está casada com Vassili Mette, director-geral da Ulba, empresa cazaque que extrai e refina urânio, coltan e outros minerais estratégicos. Ao que parece, Salim Saleh, irmão do presidente ugandês, Yoweri Museveni, não está fora deste florescente negócio.
Esta é, em linhas gerais, a subtil teia de um negócio internacional que alimenta uma guerra no coração de África e empobrece os cidadãos de um dos países mais ricos da terra. Mas há mais. O IPIS (Serviço de Informação para a Paz Internacional) realizou um estudo minuncioso sobre a vinculação das empresas ocidentais com o coltan e com o financiamento da guerra na R. D. do Congo. Os documentos reunidos por esta organização estabelecem que a companhia belga Cogecom sprl é um sócio-chave no monopólio instaurado pelos rebeldes congoleses. As transações entre a Somigi e a Cogecom envolveram 600.000 dólares para a RCD somente no mês de dezembro de 2000. Outras transações similares aconteceram entre a Somigi e a Cogear, uma companhia com uma direcção fictícia na Bélgica. A investigação sobre as atividades do grupo alemão Masingiro GMBH revelam três transacções comerciais realizadas entre Junho e Setembro de 2001 e que cobriam a exportação de 75 toneladas de coltan. As quantidades em jogo fazem pensar que o coltan exportado pela companhia alemã procede de stocks acumulados pelo monopólio da RCD (a Somigi). Este coltan foi enviado à Alemanha através do aeroporto de Ostende e do porto de Amberes pelas três companhias de transporte TMK (vinculada à RCD), A.B.A.C. e NV Steinvweg (Bélgica). O coltan estava destinado sem dúvida à fabrica de tratamento de tântalo nas mãos de H.C. Starck, filial da Bayer e líder mundial na matéria. O homem de negócios suíço Chris Huber parece jogar um papel primordial no financiamento do esforço de guerra no Ruanda. A investigação demonstra que as suas companhias Finmining e Raremet compram o coltan à Rwanda Metals, uma companhia que actua em nome do exército ruandês e o revende à fábrica de transformação Ulba no Cazaquistão. Sabe-se que existem transacções entre a Finmining e a companhia cazaque de fretes Ulba Aviadomapnia/Irtysh Avia para o envio de coltan de Kigali ao Cazaquistão. Chris Huber poderia estar ligado a Victor Bout, um conhecido traficante de armas, fornecedor de diferentes grupos rebeldes e armados. Eagle Wings Resources (EWR) é uma joint-venture (empresa de risco compartilhado) entre a norte-americana Trinitech e a holandesa Chemi Pharmacie Holland. O representante local da EWR em Kigali é Alfred Rwigema, cunhado do presidernte Paul Kagame. O relatório das Nações Unidas acusa o presidente ruandês de jogar um papel motor na exploração dos recursos naturais da República Democrática do Congo. A direção da EWR afirma ter rechaçado propostas comerciais da Grands Lacs Metals, outra companhia de coltan controlada pelo exército ruandês. Alcatel, Compaq, Dell, Ericsson, HP, Lucent, Motorola, Nokia, Siemens e outras companhias de ponta utilizam condensadores e outros componentes que contém tântalo, assim como as companhias que fabricam estes componentes como AMD, AVX, Epcos, HItachi, Intel, Kemet, NEC.
Estes obscuros negócios são, em primeira instância, os culpados de uma guerra que não se torna menos dramática e pesada por ser esquecida. Com uma agravante: teme-se que sobre o mesmo território da R.D. do Congo pese a ameaça da divisão em vários estados, o que facilitaria mais ainda a exploração dos recursos. Isto já foi pressentido e denunciado por Cristophe Munzihirwa, arcebispo de Bukavu – e por isso o exército ruandês assassinou-o. Mais recentemente, o bispo congolês de Kaminha, Jean-Anatole Kalala Kaseba declarou: "os que criaram esta situação podem terminá-la, especialmente os EUA. A ONU está ali, inclusive na minha diocese. São observadores. Têm um programa que não querem dizer-nos. Asseguram que vieram para interpor-se aos beligerantes, mas vem a confirmar a repartição do país. Preferiríamos que estivessem em todas as cidades, mas não estão presentes no Uganda nem no Ruanda. Temos razões para crer que foram enviados pelas multinacionais. O presidente de Botsuana Kett Masire – o mediador do conflito congolês – disse claramente que se fracassar o diálogo inter-congolês, a ONU tomará de novo o país nas suas mãos. Não é novidade. Esta guerra foi provocada para isso. A ONU quer que fracasse o diálogo inter-congolês para dirigir o país como um protectorado. Creio que a ONU está hoje ao serviço de uma grande potência e faz o que esta quer." Isto não é apenas um temor. Em março de 2002, o governo do Ruanda, que converteu parte de Kivu numa extensão do seu território, apropriou-se de todos os serviços telefónicos nacionais de Buvaku.



Mais uma vez podemos dizer: ONU, ONU, 60 anos a levar no cu!

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