16 de novembro de 2011

Estupidificar o país para negar as evidências. Por Daniel Oliveira.

Já tenho a boca seca e os dedos gastos de dizer e escrever a mesma coisa: Portugal vai renegociar a sua divida. É só uma questão de tempo. E isso acontecerá em 2012 ou, o mais tardar, em 2013. Porque, nas atuais circunstâncias, esta dívida é impagável e a única coisa que os credores esperam é esmifrar o devedor até ele estar completamente seco. E preparam-se para o incumprimento, tal como fizeram com a Grécia. Não tenho nenhuma capacidade premonitória, apesar de, com mais algumas pessoas, incluindo alguns economistas marginalizados, sentir por vezes que ando a pregar no deserto. Apesar dos apelos para o fazer enquanto a nossa economia não entrou em colapso terem sido tantas vezes vistos como um apelo ao calote. Agora, a evidência entrou pelos olhos da opinião mainstream. E até já o primeiro-ministro o reconhece. E quando Passos Coelho compreende uma coisa, quer dizer que essa coisa pode ser entendida por toda a gente. E esta é uma das partes mais estranhas desta crise: a propaganda é de tal forma poderosa e o desnorte é de tal forma generalizado, que até aquilo que entra pelos olhos dentro de um leigo informado é tido como um absurdo até à vespera de se confirmar. E essa é uma das razões porque nos vamos enfiar num buraco sem fundo: negamos qualquer solução até ela deixar de o ser, por ser tarde de mais. Este processo de negação coletiva resulta, nuns casos, de cegueira, noutros de oportunismo. Oportunismo porque há quem queira aproveitar esta crise para, perante um ambiente de "estado de sitio", impor o seu programa ideológico: argumentando com uma suposta insustentabilidade do modelo social europeu, reduzir o papel social do Estado, privatizar quase tudo a preço de saldo e mudar as leis laborais. Vou então continuar a pregar no deserto: Portugal, se a Europa não arrepiar caminho (e não há qualquer sinal de que o fará), vai acabar por sair do euro. E se esse destino se confirmar, mais vale, antes de acabar o processo de destruição da nossa economia, preparar-se para isso. E sair a tempo de, no meio dessa tragédia social, económica e política (que é, apesar de tudo, reversível), tirar disso algum proveito. A única vantagem, no meio de tantas desvantagens, de sair do euro, é a de usar o instrumento da desvalorização monetária para competir em vez da desvalorização da economia. Mas de nada servirá se, quando chegarmos a esse ponto, já não houver nada para salvar. Nada do que aqui escrevo, sendo obviamente muito discutível, é escandaloso para quem, mesmo disscordando, esteja minimamente informado sobre o que se está a passar na Europa e em Portugal. Acontece que, mais do que uma suspensão da democracia e do contraditório, parece haver um acordo para a suspensão da inteligência. E quando é possível ouvir, da boca de uma pessoa com as responsabilidades de João Salgueiro, que basta olhar "para os carros que por aí andam" para perceber que os portugueses ainda não estão a fazer sacrifícios a sério, percebe-se até onde está a ir a poupança de neurónios. O debate político e económico não está a ser estupidificado por qualquer incapacidade congnitiva nacional. Manter a conversa ao nível do "taxista" (que me perdoe tão nobre classe profissional pela força de expressão) faz parte da lavagem aos cérebros a que estamos a assistir.


Artido aqui.

Estás mesmo a pedi-las Ção!



Direitos e deveres culturais.

"Artigo 78º. Fruição e criação cultural.
1. Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.
2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;
b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;
c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum;
d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;
e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais."


Que todos podem "fabricar" cultura é inquestionável. Já a fruição, mormente no momento atual (sim, afinal aderi ao Acordo Ortográfico...), é manifestamente reservada àqueles que têm mais posses. E infelizmente já não estamos a falar da massa alargada a que se convencionou chamar classe média.

Por outro lado, nunca se viu o Estado tão demitido da questão cultural, vindo mesmo a inviabilizar a sua produção corrente como acontece já com muitas companhias de teatro pelo país fora. Se abordarmos as assimetrias regionais então, tudo piora em progressão geométrica. Aliás, quando o presente governo acabar a sua tarefa de limitação da ação do Estado, temo que pouco vai restar.

Finalmente, articulação foi assunto que os sucessivos governos nunca perceberam ou nunca quiseram perceber, o que fica provado pela atuação estanque de cada ministério, muitas vezes em contraciclo com os demais... Estamos longe dos objetivos acima emanados, muito longe.