19 de janeiro de 2011

Eles andam aí e quem não os combate é porque deles faz parte.

Filipe Pinhal
“Profissionais do tráfico de influências saíram dos bastidores”

Chamem-lhe o que quiserem: economia informal, não registada, paralela, marginal, subterrânea, oculta, ilegal ou, mesmo, mercado negro. Provavelmente todos os nomes são aplicáveis porque este vector da actividade económica tem uma amostra de cada coisa. Em comum, três elementos: exportação de capitais, fuga aos impostos e lucro de uns poucos com prejuízo de todos. Às escondidas ou às escâncaras, ninguém ignora a crescente dimensão do fenómeno, que alastra na proporção da crise e do desemprego. O desenrascanço, o trabalho de ocasião ou o biscate são a resposta mais imediata para superar as dificuldades. E tem de ser assim, para ocupações episódicas não compatíveis com a pesada carga burocrática, em má hora congeminada, apenas, para o emprego permanente. De resto, é dos livros que o excesso de regulação é indutor da economia paralela: quanto mais apertado o controlo maior o incentivo à fuga. Dir-se-á que desta entorse à normalidade não vem mal ao mundo, mas a verdade é que virá, se o precário se converter em regra e se o fenómeno tender a tomar o lugar da economia regulamentada. A obscuridade é um poço sem fundo, tudo lá cabe, com graus diferentes de prejuízo: da urgência do canalizador à venda directa do produtor ao consumidor, das caixas paralelas nos restaurantes à ausência de factura, do contrabando de tabaco ao comércio da droga, da palavra certa à pessoa certa à adjudicação de um fornecimento, da contribuição para o partido à aprovação de um PIN. Em todo o lado há autores e cúmplices, nos casos mais sérios uma legião de beneficiários directos e indirectos. Os especialistas da troca de favores adoram o território pantanoso da economia subterrânea. Na informalidade não há facturas nem pagamento de IVA, e não há registos onde se possa ler quem fez o quê. Mas a resolução dos grandes negócios públicos passa, quase sempre, por essa zona sombria onde manobradores encartados tudo manipulam, das adjudicações aos contratos, das demissões às nomeações. Recordamos os primeiros anos da revolução de Abril e olhamos, com nostalgia, para os líderes dos principais partidos: Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do Amaral. Quem pode imaginar que algum deles se deixaria corromper por interesses que atraiçoassem os ideais políticos? Só que, a má moeda tende a expulsar a boa moeda. Um a um, os políticos com sentido de serviço foram afastados e substituídos por operacionais dos partidos. O primeiro a sofrer uma perseguição implacável foi Sá Carneiro, de quem se disse de tudo. Da esquerda à direita, homens sérios como Veiga de Oliveira, Salgado Zenha, Magalhães Mota ou Lucas Pires, e tantos outros, foram exemplos de integridade que passaram pela política sem se envolverem na economia das influências. A todos seria aplicável a frase atribuída a Salazar a propósito de Duarte Pacheco: Dizem-me que morreu pobre. Coisa notável para quem dispôs de tanto poder. A era Guterres acelerou a tendência para a marginalização dos que se movem exclusivamente por ideais políticos. É difícil não concordar com Manuel Maria Carrilho (Visão de 2.12.2010), quando afirma que “é uma tragédia que o mais qualificado, mais dotado e mais preparado de todos os líderes do PS não tenha tido maioria absoluta”. Mas isso só aconteceu porque Guterres hipotecou a razão política a um miserável negócio do queijo que lhe deu o voto necessário para desempatar uma votação. Nessa vergonha nacional terá começado o descalabro. Depois, começaram a ser defenestrados todos os que ainda tinham uma ideia de política: no PS, Ferro Rodrigues, Manuel Alegre e João Soares, no PSD Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite. Mesmo Passos Coelho já está a ser caluniado. Diz-se que não aprecia a economia informal, péssimo sinal para quem aspira a uma carreira de governante. Os profissionais do tráfico de influências saíram dos bastidores e, sem cerimónia, já ocupam o palco principal. E nem cuidam de salvar as aparências, põem e dispõem em tudo quanto é negócio público, ou privado, que possa dar comissões ou poleiro, de preferência, ambos. E sempre com a complacência geral e com aquele comentário tão português do… se não forem estes, serão outros. Fala-se dos números assustadores que já atinge a economia paralela e todos se arrepelam. Fala-se de corrupção e a revolta é enorme. Mas todos sabem onde estão os especialistas do subterrâneo e quem são os seus anjos da guarda. Juizes, magistrados do Ministério Público, investigadores da Polícia Judiciária e responsáveis das Direcções de Finanças não ignoram onde estão os acréscimos de património não justificados pelos rendimentos declarados, e falam dos casos mais notórios sem qualquer cerimónia Mas, na hora de agir, vão à procura dos jogos de xadrez em cristal e dos centros de mesa que, pasme-se, seriam a expressão material dos ganhos do tráfico de influências e da corrupção. Benza-nos Deus!
É causa de perplexidade a ligação de demissões e nomeações a manobras de grupos de interesses. Incomoda a proximidade dos grandes decisores às sociedades secretas ou semi-secretas. Mais preocupante é quando se aponta para cada decisor o seu tutor nas ditas associações, comentando-se à boca cheia quem deve obediência a quem.
Mais formais, ou mais informais, as coligações de interesses existem e estão activas. De umas fala-se mais que de outras, mas a influência alastra De uma coisa estamos certos, os grandes negócios, os grandes investimentos, públicos e privados, os grandes fornecimentos, os concursos e obras públicas, as leis à medida, as decisões de excepção, as demissões e as nomeações e, mesmo, as eleições para estruturas partidárias, como recentemente se viu no PS de Coimbra, obedecem cada vez mais à fatalidade dos interesses informais, e são cada vez menos escrutináveis. Tudo se passa na lógica de num jogo viciado, em que o lucro de uns será compensado pelo ganho de outros na próxima jogada, assim se garantindo o “segredo do negócio”. A opacidade é a base da sustentabilidade do negócio e, para isso, nada melhor que… se fale muito em transparência, daí que os segredos do wikileaks sejam maná caído do céu. É bom para o negócio que haja muitas notícias e muitos escândalos. Enquanto se falar em centros de mesa e em jogos de xadrez, é garantido, não se falará em comissões.
Dizem os jornais que um especialista dos serviços secretos é cobiçado por bancos e outras grandes empresas nacionais. Coisa estranha Alguém pode explicar a razão do interesse? Para descontar letras não será certamente. Se é para usar os seus conhecimentos e ligações secretas é caso para temer o pior.

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