3 de maio de 2010

Fazer do preto branco.

A sentença do Tribunal da Relação que ilibou Domingos Névoa do crime de corrupção é incompreensível. Os argumentos jurídicos podem suceder-se e sabemos que haverá quem - com um vago encolher de ombros - olhe esta opinião como uma prova da falta de conhecimento jurídico e dos interstícios da lei. Mas a verdade é que, em democracia, a lei é exercida em nome do povo, que é soberano. E não deve contrariar o bom senso, preceito que, aliás, nos vem dos códigos mais remotos da antiguidade. Ora, um tribunal que entende e sentencia que um homem que comprovadamente ofereceu 200 mil euros a outro, para que este retirasse um processo e facilitasse um negócio, não cometeu o crime de corrupção porque o recebedor não tinha influência directa na aprovação do negócio é um tribunal que decide ao arrepio da reconhecida necessidade de combater a corrupção. Doravante, e se esta sentença não for imediatamente contrariada, quem quiser corromper um juiz, um político ou um funcionário sente-se autorizado a oferecer dinheiro a alguém que prive com eles todos os dias, seja activo no assunto em causa mas nele não interfira directamente. A decisão dos juízes da Relação que ilibou o dono da empresa Bragaparques não ajuda a combater a corrupção. Podem dizer que é a lei que limita os magistrados, mas estes teriam então o dever de chamar a atenção para a lei iníqua que os rege. Podem escudar-se nas complexas teias do Direito, mas nesse caso não sabem que julgar é também ser exemplar - são como máquinas nas quais se coloca um problema para que elas o resolvam de acordo com parâmetros fechados e predeterminados. Os juízes em causa podem não ter essa consciência, mas o que fizeram será para sempre um exemplo de injustiça.


O director do "Jornal de Negócios" descreveu de forma eficaz a situação portuguesa como a de um corpo doente, já rodeado de abutres. O corpo doente é a nossa economia e os abutres as agências internacionais que pairam à sua volta. Esta semana, em que as taxas de juro e os seguros de crédito da dívida pública aumentaram, os abutres aproximaram-se. É tempo de o Governo reconhecer a doença e atacá-la a fundo e a sério. Pode ser que assim os abutres se vão.

O que Rui Pedro Soares fez no Parlamento é indigno para a democracia. Claro que ele tem o direito de não se auto-incriminar num processo no qual é arguido. Mas, para o exercer, deveria primeiro ouvir as perguntas que lhe iam fazer e não recusar toda e qualquer uma. Sobretudo, depois de ter aproveitado a altura para ilibar Sócrates, pedindo desculpa por ter usado 'abusivamente' o seu nome. O desprezo pelo Parlamento, o despudor e a arrogância continuam presentes. Alguém devia dizer a estes boys que o país já mudou.

Notícia aqui.

Doravante, ninguém pode afirmar que o preto, é preto! Esta sentença é um convite à corrupção.

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