27 de abril de 2010

Falência ética. Por Pedro Norton.

Aproveito as desventuras causadas por culpa de um vulcão na Islândia para, de avião em avião, de aeroporto em aeroporto, pôr em dia a leitura de jornais da última semana. No essencial dão conta de um país ocupado a discutir prémios de gestores e corrupção. Os debates já vão longos, os argumentos são muitos e inteligentes. Em condições normais pouco mais haveria a acrescentar a um ou a outro. Mas se regresso aos temas é porque constato, com pena, que há bastante mais em comum entre eles do que temos vindo a querer assumir. E, seguramente, muito mais do que seria saudável e desejável. Não estão a ver o que liga muitos dos bónus, os submarinos, a putativa compra da TVI e as aventuras do Figo? Pois a verdade é que as coincidências existem e estão à vista de todos. Seguramente não na gravidade mas nas causas e nas consequências.

No princípio, nas causas, era o Estado. Era e continua a ser. Obviamente porque já foram do Estado as empresas que, em 2009, se revelaram mais generosas a distribuir prémios de desempenho aos seus gestores. Mas sobretudo porque continuam a ele umbilicalmente ligadas. Seja por via das participações (directas ou de empresas públicas), seja por via de uma suposta regulação que continua a exercer (ou não) nos mercados oligopolísticos ou mesmo monopolísticos em que estas empresas actuam. E que mais há além do Estado e da corja de parasitas que o rodeiam, nos negócios de submarinos, nas trapalhadas do licenciamento do Freeport e nas aventuras deprimentes de um parque tecnológico que serve como guarda avançada para comprar televisões ou para financiar campanhas políticas? O Estado, sempre o Estado. O seu peso atrofiante, os seus tentáculos imensos, a rede de interesses e o caldo de dependências que promove, estão, goste-se ou não da ideia, no centro de todas estas polémicas. Tivesse ele o tamanho que se recomenda e, aposto, de todas estas poucas vergonhas talvez sobrasse o caso dos submarinos. E já não seria pouco.

Mas não são só as causas que ligam todas estas trapalhadas. É também o resultado, a consequência profunda de todos estes casos que insistem em repetir-se com uma cadência cada vez mais assustadora, sem que ninguém lhes ponha cobro: estamos a criar uma sociedade em que se instala a sensação de que vale tudo. E sobretudo de que a prevaricação compensa. Estamos a construir uma sociedade que premeia o concubinato entre os poderes político e económico, uma sociedade que incentiva os aventureiros do capitalismo sem capital, uma sociedade em que o "chico-espertismo" é o paradigma máximo do sucesso e em que a corrupção é, cada vez mais a língua franca da economia. Estamos, em suma, a construir uma sociedade em completa falência ética. E este é talvez o aspecto mais grave de toda esta história. Porque é toda uma geração que está a olhar para nós e a ser educada com estes edificantes exemplos. Porque é toda uma geração que está a ser educada a considerar que a justiça, a probidade, a rectidão e a competência do trabalho verdadeiro são virtudes anacrónicas e absolutamente dispensáveis para alcançar o sucesso que, legitimamente, almejam. Vão ser precisos muitos anos, acreditem, para reconstruir o que resta desse capital social que estamos a desbaratar.

Artigo aqui.

Embora não concorde com a questão neoliberal e eminentemente a pedir mais capitalismo selvagem do peso do Estado, não posso deixar de salientar a acertividade das palavras do autor quanto à falência ética da sociedade. Não posso assim ser acusado de ser tendencioso...

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