A Madeira é a única região do País onde não existe reserva ecológica nacional (REN), instrumento de ordenamento do território criado para proteger zonas naturais e evitar, por exemplo, construções em leitos de cheia e zonas sensíveis. A lei é de 1983, mas o Governo Regional nunca decretou a aplicação destas regras de planeamento na Madeira. Algo que, na opinião de vários especialistas ouvidos pelo DN, teria atenuado os danos do temporal que fez transbordar as ribeiras na zona alta e baixa da ilha. "Não há REN porque o Governo Regional nunca quis. Se houvesse, e fosse cumprida, teria alterado bastante a forma como a cidade do Funchal evoluiu. Não há plano de ordenamento que não tenha de obedecer à estrutura ecológica", afirma o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, o criador deste regime jurídico, revisto em 2009. Mais grave do que não haver REN, alerta o arquitecto paisagístico Fernando Pessoa, "é nunca ter havido ordenamento do território como deve ser, e estudos das bacias hidrográficas que analisassem a situação dos cursos de água". Já em 1974, Fernando Pessoa colaborou na elaboração de um vasto plano de ordenamento do território da ilha, que nunca passou do papel. Hoje, lamenta que esse trabalho de prevenção nunca se tenha feito e que os danos de mais esta tragédia não tivessem sido minimizados. Mas a história mostra que os aluviões são recorrentes e que os erros de ocupação do território já são antigos. Já em 1803, 1815, 1842,1921e 1993, a chuva torrencial espalhou morte e destruição. "As construções não podiam ter sido feitas onde foram. As consequências eram previsíveis", acrescenta Fernando Pessoa, sublinhando que "a prevenção deveria ter sido feita nas cabeceiras das serras, através da sistematização das bacias e da correcção destas ribeiras que são torrenciais". É precisamente nas zonas altas e mais pobres do Funchal que os problemas são mais graves, dizem os especialistas. Locais onde a urgência de responder às necessidades de habitação da população levou, nos anos 50, as pessoas a construírem casas de forma ilegal. Muitas vezes em cima do caudal ou do leito dos ribeiros e debaixo de morros com potencial de deslizamento. "Tudo isto foi feito com uma espécie de beneplácito das autoridades, porque as pessoas precisavam de habitação", lembra Luís Vilhena, arquitecto e ex-vereador da autarquia do Funchal. Mais tarde, com a existência do Plano Director Municipal, "as construções continuaram, porque o PDM foi e é furado várias vezes". Foi aí que os danos humanos e materiais foram maiores, acrescenta Hélder Spínola, da Quercus da Madeira, salientando que nas freguesia de Santo António e Santa Maria os ribeiros galgaram as margens e arrastaram tudo à frente. "Mas a população não aprendeu a lição. Ontem vi uma senhora a erguer o muro que tinha caído e estava a meio metro da ribeira." Tudo o que é arrastado das serras agrava a situação das três ribeiras que desaguam na Baixa do Funchal e estão afuniladas e canalizadas. A artificialização e a cobertura contínua destes cursos de água com habitações, parques de estacionamento e até bombas de gasolina ajuda a explicar os estragos verificados na Baixa da cidade.
Notícia aqui.
Um burgesso que não aceita as leis da República mas que não passa sem o dinheiro da mesma. As mortes na Madeira devem ficar na sua consciência, se é que a tem...
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