11 de janeiro de 2010

Direitos e deveres sociais.

"Artigo 65º. Habitação e urbanismo.
1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e
transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território."

Fartei-me de dar voltas à cabeça sobre a forma como deveria abordar esta questão essencial na vida das pessoas. Primeiro pensei tirar imagens elucidativas do péssimo urbanismo presente nas várias capitais de distrito, como forma de dar uma vista geral do país. Depois pensei em relatar o fiasco a que ficaram votadas as cooperativas de habitação social, quase todas na falência ou transformadas em agências imobiliárias tão especulativas como as outras. Também ponderei fazer uma resenha crítica da actuação dos agentes urbanizadores, públicos e privados, nestes últimos 36 anos. Depoi, vi a notícia que se segue e pareceu-me suficientemente elucidativa...

Maria do Carmo Rodrigo, 73 anos, vive com quatro filhos adultos numa casa miserável, em Ribeira de Carpinteiros, na freguesia de Almalaguês, Coimbra. Por falta de espaço, dorme com dois deles na sala. Por falta de casa de banho, lavam-se numa bacia, na rua. No número 7 da Rua da Fonte, não há água canalizada, nem cozinha digna desse nome (não existe fogão, existe uma fogueira; não existe chaminé, só um buraco no tecto). As madeiras estão podres, o frio entra pelas janelas remendadas, o chão tem buracos, nas paredes há fissuras e manchas de humidade. "Estão da cor da minha roupa", diz a viúva, integralmente vestida de preto. Nas noites de chuva e vento fortes, nem dorme, com medo que o tecto desabe. Pouco parece ter mudado, na casa centenária, onde Maria do Carmo viveu com os pais e deu à luz seis dos sete filhos. "Não deve haver, em Coimbra, casa como a minha. Não tenho casa de banho, nem fogão, nem lareira. Passo aqui muito frio", conta a mulher, a quem a miséria entristece, mas não tira a doçura. O vereador socialista Carlos Cidade foi quem denunciou a situação, no início da semana, em reunião do Executivo. "Não é possível que, na cidade do conhecimento, até hoje, ninguém se tenha preocupado!", referiu o membro da Oposição, aludindo, entre outros, ao facto de a idosa "ser obrigada a dormir, numa espécie de sala, com dois filhos homens". Maria do Carmo confirma: aquele velho sofá deformado, entre duas camas pequenas, serve-lhe de leito. Os rendimentos do agregado familiar não chegam sequer aos 500 euros, segundo o filho mais novo, Daniel, de 33 anos. (E há que pagar a medicação - só a essencial, porque é preciso poupar, explica a mãe, moída por dores nas costas.) Vivem ali, ainda, Luís Filipe, de 38 anos, pintor da construção civil com dificuldade em arranjar trabalho, Carlos, de 43 anos, agricultor, e Lúcia, de 46, já reformada.
"Se o ano novo me trouxesse uma casa mais ou menos, ia ao Céu e vinha", suspira Maria do Carmo, com olhos sorridentes. O vereador comunista Francisco Queirós, responsável pelo Departamento de Habitação da Câmara, lamenta que só agora o caso tenha vindo à luz. "Não sei como é que esta situação não foi detectada antes!", declarou, ao JN, após o envio de técnicos ao local. E, por se tratar de "uma situação complexa e dramática, do ponto de vista social, que extravasa o âmbito do Departamento de Habitação", promete alertar a Segurança Social e o Governo Civil. De acordo com o vereador da CDU, o relatório aponta "um vasto conjunto de deficiências" na construção, descartando, todavia, o risco de ruína. Por isso, a Autarquia não pode avançar com uma obra coerciva. Nem realojar a família, ao abrigo do programa PROHABITA, do Instituto de Reabilitação Urbana, porque este "não permite que se realojem pessoas com habitação própria". E a casa é de Maria do Carmo. Ao JN, o director do Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra, Mário Ruivo, garantiu que ia enviar um técnico ao local e "tentar encontrar, rapidamente, uma solução para o problema".

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