12 de março de 2009

"Desenhando o Futuro" por Jacque Fresco. Primeiro Capítulo.

Uma crise que tem responsáveis.

Podemos facilmente ser levados a pensar que com a tecnologia de que dispomos nos dias de hoje poderíamos eliminar os problemas sociais sem grandes problemas. Não poderia a tecnologia moderna providenciar alimentos suficientes, roupas, abrigo e os bens materiais necessários se fosse utilizada com inteligência? O que está a impedir-nos de conseguir atingir esse objectivo? A tecnologia evolui de forma galopante de facto, mas as nossas sociedades continuam agarradas a conceitos e métodos estabelecidos há muitos séculos atrás. Ainda temos sociedades baseadas na escassez e no uso do dinheiro e padrões de pensamento baseados em estruturas utilizadas na Ásia Ocidental há centenas de anos. Tentamos adaptar-nos aos rápidos avanços da tecnologia com valores perfeitamente obsoletos e que já não se adequam ao mundo actual.


Devido às tremendas vantagens oferecidas às grandes empresas e corporações, através da produção de legislação e não só, pelo poder político, que em última análise lhes deve a sua posição, os monopólios ganham cada vez mais controlo sobre as sociedades, o mesmo é dizer sobre o mundo em geral. A confortável assumpção pessoal que nos leva a pensar que podemos fazer a diferença está assim cada vez mais longe da realidade. Um número cada vez menor de corporações possui e controla um número cada vez maior de empresas e um número cada vez menor de administradores efectua esse controlo. As corporações que detêm empresas de automóveis e de aviação, podem hoje também ser proprietárias de empresas de alimentação, de comunicação social, incluindo rádios, televisões, revistas e jornais, produtos farmacêuticos e até empresas de armamento. Nos Estados Unidos, dez grandes instituições de crédito controlam todos os cartões de crédito no país. A riqueza e influência dessa elite corporativa não é possível de igualar ou combater pelos trabalhadores que lhes permitem adquirir tal riqueza. Com essa relação de poder e com os meios de comunicação subjugados pelas grandes corporações, que muitas vezes possuem literalmente esse meios de comunicação social, é muito difícil saber quando é que se pode confiar numa notícia ou informação, subvertendo-se de imediato o sentido da democracia e da livre informação.

De acordo com inúmeras sondagens, a maioria dos cientistas acredita que a raça humana está em rota de colisão com a natureza, que todos os ecossistemas da terra estão em sofrimento extremo e que a capacidade do planeta em sustentar a vida que nele existe se encontra em sério risco (1). Existe a ameaça de uma mudança climatérica rápida ao nível global que vai concerteza trazer consequências profundas na vida como a conhecemos. A poluição dos rios, da terra e do ar que respiramos ameaça a nossa saúde diariamente, uma vez que estamos a destruir recursos que não são renováveis, como é o caso da terra arável ou da camada do ozono, em vez de utilizarmos esses recursos de forma inteligente e sustentável.

Neste momento encaramos ameaças comuns que transcendem as tradicionais fronteiras entre países: excesso de população, escassez de energia e água potável em quantidade, a catástrofe económica, as pandemias incontroláveis e a substituição tecnológica do homem pela máquina, apenas para referir algumas delas. Oitocentos e cinquenta e dois milhões (852.000.000!) de pessoas em todo o mundo passam fome. Todos os dias, mais de 16.000 crianças morrem devido a doenças relacionadas com a má nutrição – o que resulta na morte de uma criança a cada 5 segundos (1). Ainda a nível global, mais de um bilião de pessoas vive abaixo do limiar da pobreza internacional, auferindo menos de 1 dólar por dia (2). Uma pequeníssima percentagem da população mundial possui a quase totalidade da riqueza e dos recursos mundiais. O fosso entre os ricos e os pobres não cessa de aumentar. Nos Estados Unidos e no ano de 2002, o administrador-geral de empresas médio ganhava 282 vezes mais do que o trabalhador médio (3). Em 2005, os prémios para os administradores-gerais das maiores corporações dos Estados Unidos foram incrementados cerca de 12% a uma média de 9.8 milhões de dólares por ano. Os administradores-gerais das companhias petrolíferas saíram-se ainda melhor, com aumentos meteóricos de 109% e que na média rondaram os 16.6 milhões de dólares por ano. Enquanto isso acontecia, o salário dos trabalhadores mal conseguiu acompanhar a inflação na maioria das indústrias e ocupações dos Estados Unidos. No Estado do Oregon por exemplo, os trabalhadores dependentes do salário mínimo viram o seu vencimento aumentar uns modestos 2.8% para 15.080 dólares por ano.

O mundo que nos foi entregue, com estas gritantes discrepâncias, não parece assim que esteja a resultar para a grande maioria da população mundial. Com os constantes avanços na ciência e na tecnologia ocorridos nos últimos duzentos anos, poderás querer perguntar: “será que as coisas têm de ser mesmo assim?”. Com o facto constatável de que o conhecimento científico torna as nossas vidas melhores quando aplicado com respeito pelo bem-estar humano e pela protecção ambiental, não há dúvida de que a ciência e a tecnologia podem produzir abundância de forma a que não falte nada a ninguém, mas a má utilização e o abuso da tecnologia apenas parece estar a piorar o estado das coisas como já vimos.

Os problemas que se nos deparam no mundo actual são na sua maior parte fruto da nossa própria actuação no planeta, pelo que temos de aceitar que o nosso futuro depende exclusivamente de nós. Enquanto que os valores proclamados pelos líderes religiosos ao longo dos séculos inspirou muitos de nós a actuar de forma socialmente responsável, outros pelo contrário lançaram-se em guerras precisamente pelas suas diferenças em termos de crenças religiosas. As esperanças depositadas em intervenções divinas através de personagens míticas não passam de ilusões que nunca conseguirão resolver os problemas do nosso mundo moderno. O futuro do mundo é da nossa responsabilidade e depende de decisões que fazemos hoje. Somos simultaneamente a nossa própria salvação e danação.

A forma e as soluções do futuro contam integralmente com o esforço colectivo de todos trabalhando em conjunto, uma vez que somos todos parte integrante da teia da vida. Tudo o que afecta os outros e o ambiente em geral tem também consequências na nossa vida individual.

O que é realmente necessário é uma mudança radical no nosso sentido de direcção a tomar e respectivos objectivos, ou seja, uma visão alternativa para uma nova civilização mundial sustentável, incomparável a qualquer outra que tenha já existido. Embora essa visão se apresenta aqui altamente comprimida, ela resulta de anos a fio de estudo e de pesquisa experimental.

Estes escritos oferecem-nos possibilidades alternativas para o esforço de rumarmos a um mundo melhor, atingindo as decisões a tomar através da aplicação do método científico. Como em qualquer nova abordagem, requer alguma imaginação e uma grande vontade de abraçar o não-convencional, de forma a que possam ser apreciados. Lembra-te contudo de que, tal como aconteceu no passado da humanidade, qualquer novo conceito tem tendência a ser ridicularizado, rejeitado, e marginalizado na sua apresentação inicial, em especial pelos peritos de cada época.

Foi exactamente isso que aconteceu aos primeiros cientistas quando afirmaram que a Terra era redonda, que ela girava em torno do Sol ou ao primeiro que ousou dizer que os homens poderiam aprender a voar. Poderias escrever um livro completo e volumoso, e muitos fizeram-no, apenas relatando coisas que se achavam impossíveis até ao momento em que realmente aconteceram. A ida à Lua por exemplo. Os teus bisavós ter-se-iam rido a bandeiras despregadas com a ideia e no entanto, hoje é um facto, apesar de para eles não passar de fantasias dos escritores de ficção científica como Júlio Verne. Muitos pensadores à frente do seu tempo foram presos e até mesmo executados, apenas por afirmarem coisas como o facto de a Terra não ser o centro do Universo.

Aqueles que lutaram pela justiça social e pela mudança tiveram ainda maiores dificuldades. As pessoas que reclamavam mudança eram espancadas, violadas, colocadas em prisões e até brutalmente assassinadas. Wangari Maathai por exemplo, a quem foi atribuído o Prémio Nobel da Paz em 10 de Dezembro de 2004, foi gaseada com gás lacrimogéneo, espancada até à inconsciência e finalmente presa apenas por lutar contra a desflorestação no Quénia. Dianne Fosse, a naturalista que lutou activamente contra o declínio da população de gorilas provocado pelos caçadores furtivos, foi encontrada na sua cabana da floresta morta à catanada. Infelizmente ela não protegia os interesses dos caçadores. Um sem número de volumes poderia ser escrito acerca das provações que essas pessoas tiveram de suportar na sua demanda, cujo maior pecado era a ameaça do status quo instalado.


(1) O problema alimentar mundial: Factos, números e estatísticas

(2) Relatório da fome 2004. Instituto Pão para o Mundo

Hunger Facts: International


(3) Ligação Principal

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