8 de janeiro de 2009

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América XVI. Por Noam Chomsky.

As perspectivas para a Europa Oriental.


O que foi notável nos acontecimentos do Leste Europeu, nos anos 1980, foi que a potência imperial simplesmente voltou atrás. A União Soviética não só permitiu como encorajou os movimentos populares. Há poucos precedentes históricos iguais a estes. Isso não aconteceu porque os soviéticos eram bons da fita. Eles foram obrigados por necessidades internas. Mas aconteceu e, como resultado, os movimentos populares no Leste Europeu não tiveram de enfrentar, nem remotamente, o que eles enfrentariam se ocorressem na nossa área. O jornal dos jesuítas salvadorenhos concluiu acertadamente que, no seu país, Vaclav Havel (o antigo prisioneiro que se tornou presidente da Tchecoslováquia) não teria sido levado para a cadeia, mas cortado em pedaços e deixado em qualquer lugar à beira da estrada. A União Soviética até pediu desculpas pelo uso da violência no passado e este também é um facto sem precedentes. Entretanto, os jornais norte-americanos concluíram que, devido aos russos terem admitido que a invasão do Afeganistão foi um crime que violou a Lei Internacional, eles agora estavam finalmente a unir-se ao mundo civilizado. Essa é uma reacção interessante. Imagine alguém da comunicação social norte-americana sugerir que talvez os EUA devessem tentar elevar-se ao nível do Kremlin, admitindo que os ataques contra o Vietname, o Laos, o Camboja e o Iraque também violaram a Lei Internacional! O único país onde houve extrema violência, entre as tiranias derrubadas na Europa Oriental, foi justamente aquele em que os soviéticos tinham menor e os americanos maior influência: a Roménia. Nicolau Ceausescu, o ditador da Roménia, tinha visitado a Inglaterra, onde lhe foi dado tratamento real, e os Estados Unidos renderam-lhe tratamento de representante de nação favorecida, com vantagens comerciais e outras coisas semelhantes. Ceausescu era tão louco e brutal antes quanto depois, mas como se havia visivelmente retirado do Pacto de Varsóvia e estava a seguir um caminho um tanto independente, achamos que ele estava só parcialmente do nosso lado na luta internacional. Nós somos a favor da independência desde que ela seja estabelecida no império de outros povos, nunca no nosso império.

Nas outras partes da Europa, os levantes foram notadamente pacíficos. Houve alguma repressão, mas historicamente 1989 foi singular. Não consigo pensar em outro caso que se aproxime deste. Acho que as perspectivas para a Europa Oriental são bastante obscuras. O Ocidente tem um plano para ela: ele quer transformar grande parte dela numa nova e facilmente explorável parte do Terceiro Mundo. Sempre houve uma espécie de relacionamento colonizador entre a Europa Ocidental e a Europa Oriental. De facto, o bloqueio desse relacionamento pelos russos foi um dos motivos da Guerra Fria. Agora, esse relacionamento está a ser restabelecido e há sérios conflitos sobre quem irá ganhar a corrida ao roubo e à exploração. Será a Europa Ocidental liderada pela Alemanha (actualmente na frente), será o Japão (esperando em cima do muro para ver de onde aparecem os melhores lucros) ou serão os Estados Unidos (tentando entrar em ação)? Há muitos recursos para serem explorados e muita mão-de-obra barata para a linha de produção. Mas antes temos de impor-lhes o modelo capitalista. Nós não o aceitamos para nós mesmos - mas para o Terceiro Mundo, nós insistimos nesse modelo. Este é o sistema do FMI. Se conseguirmos que o adoptem, eles serão facilmente exploráveis e desempenharão o seu novo papel da mesma forma que o Brasil e o México. Em muitos sentidos, a Europa Oriental é mais atraente para os investidores do que a América Latina. Uma dessas razões é que a sua população é branca e de olhos azuis, logo com maior facilidade de negociar com os investidores, que vêm de sociedades profundamente racistas como a da Europa Ocidental e a dos Estados Unidos. O mais importante ainda é que a Europa Oriental tem, em geral, saúde e padrões educativos muito mais elevados que os da América Latina que, salvo certos sectores isolados de riqueza e privilégio, é uma área de desastre total. Uma das poucas excepções a esse respeito é Cuba, que se aproxima mais dos padrões ocidentais de alfabetização e saúde, embora as suas perspectivas sejam sombrias.
Uma razão para essa disparidade entre a América Latina e a Europa Oriental é o nível demasiadamente maior de terror estatal nos anos posteriores a Stalin. Um segundo motivo é a política económica. De acordo com a Inteligência Americana, a União Soviética injectou cerca de 80 bilhões de dólares na Europa Oriental, nos anos 1970. A situação foi bem diferente na América Latina. Entre 1982 e 1987, cerca de 150 bilhões de dólares foram transferidos da América Latina para o Ocidente. O "The New York Times" cita estimativas em "transações escusas" que poderiam alcançar 700 bilhões de dólares (incluindo dinheiro de drogas, lucros ilegais, etc.). Os efeitos na América Central têm sido particularmente devastadores, mas o mesmo ocorre em toda a América Latina, onde há uma pobreza generalizada, desnutrição, mortalidade infantil, destruição ambiental, terror estatal e um colapso no padrão de vida aos níveis de décadas passadas. A situação em África é ainda pior. A catástrofe do capitalismo foi particularmente grave nos anos 1980, um "implacável pesadelo" sob o domínio das potências ocidentais, isso nos exactos termos do chefe da Organização da Unidade Africana. Folhetos explicativos, fornecidos pela Organização Mundial de Saúde, estimam que 11 milhões de crianças morrem a cada ano no "mundo em desenvolvimento", "um genocídio silencioso" que poderia terminar rapidamente se os recursos fossem dirigidos para as necessidades humanas ao invés de serem dirigidos para o enriquecimento de uns poucos. Numa economia global planeada para os interesses e as necessidades económicas das corporações e para as finanças internacionais, além dos sectores que as servem, a maioria dos seres vivos tornam-se supérfluos. Eles serão colocados de lado se as estruturas institucionais de poder e de
privilégio funcionarem sem o desafio ou o controle popular.

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