19 de dezembro de 2008

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América XIII. Por Noam Chomsky.

Vacinando o Sudeste Asiático.


As guerras americanas na Indochina fazem parte da norma geral. Por volta de 1948, o Departamento de Estado reconheceu claramente que o Viet Minh, a resistência anti-francesa comandada por Ho Chi Min, era o movimento nacional do Vietname. Mas o Viet Minh não cedeu o controle às oligarquias locais, favorecendo então o desenvolvimento independente e ignorando os interesses dos investidores estrangeiros. Temia-se que o Viet Minh pudesse ter êxito, já que, nesse caso, "a podridão propagar-se-ia" e o "vírus infectaria" a região, para adoptar a linguagem que os estrategas usaram anos após anos. Com excepção de alguns loucos e alienados, ninguém temia a conquista - o que eles mais temiam era que um exemplo positivo fosse bem sucedido. O que se faz quando se tem um vírus? Primeiro destrói-se e, em seguida, vacinam-se as vítimas potenciais para que a doença não se propague. É essa a estratégia que os EUA utilizam no Terceiro Mundo. Se possível, é aconselhável fazer com que os militares locais se endarereguem da destruição. Se eles não puderem, terá de se contar com as próprias forças. Isso é mais oneroso, e deselegante, mas algumas vezes tem de ser feito. O Vietname foi um desses lugares em que tivemos de actuar assim.


Já no final dos anos 1960, os EUA bloquearam todas as tentativas de um acordo político para o conflito, mesmo aqueles propostos pelos generais de Saigão. Se houvesse um acordo político, poderia haver progresso na direcção de um desenvolvimento bem sucedido fora da nossa influência - resultado esse inaceitável. Ao invés disso, nós instalámos um terror de Estado, de estilo tipicamente latino-americano no Sul do Vietname, subvertendo a única eleição livre na história do Laos, porque o lado errado ganhou, e bloqueámos a eleição no Vietname, porque era óbvio que o lado errado iria ganhar lá também. O governo Kennnedy fez uma escalada de ataque contra o Vietname do Sul, partindo de um maciço terror de Estado para uma agressão aberta. Johnson enviou uma enorme força expedicionária para atacar o Sul do Vietname e expandiu a guerra para toda a Indochina. Isso certamente destruiu o vírus - porém, a Indochina terá sorte se dentro de cem anos conseguir recuperar da destruição de que foi palco. Enquanto os EUA extirpavam a doença do desenvolvimento independente pela raiz no Vietname, evitaram também a sua propagação, apoiando a tomada de poder na Indonésia por Suharto, em 1965, promovendo a queda da democracia nas Filipinas por Ferdinando Marcos, em 1972, e apoiando a lei marcial na Coreia do Sul e na Tailândia, e assim por diante. O golpe de Suharto na Indonésia, em 1965, foi particularmente bem acolhido pelo Ocidente, porque destruiu ali o único partido político de massa resultando em poucos meses numa matança de cerca de setecentas mil pessoas, a maioria camponeses sem terra - "um raio de luz na Ásia", como se congratulou o principal pensador do "The New York Times", James Reston, assegurando aos seus leitores que os EUA tinham participado desse triunfo.


O Ocidente ficou muito grato em fazer negócios com o novo líder "moderado" da Indonésia, como o "Christian Science Monitor" descreveu o general Suharto, após ele ter lavado as mãos de sangue enquanto acumulava centenas de milhares de cadáveres de Timor-Leste e de outras partes da Indonésia. Esse impressionante extermínio de massa é "um bálsamo para o coração", assegurou-nos o respeitável "Economist", referindo-se, sem dúvida, à sua atitude em relação às empresas ocidentais. Depois do fim da guerra do Vietname, em 1975, o objectivo principal dos Estados Unidos tem sido maximizar o sofrimento e a repressão nos países que foram devastados pela violência. O grau de crueldade é realmente espantoso. Quando os menonitas tentaram vender lápis para o Camboja, o Departamento de Estado tentou impedi-los. Quando a Oxfam tentou enviar-lhes dez bombas solares, a reacção foi igual. O mesmo se sucedeu com os grupos religiosos que tentaram mandar pás escavadoras para o Laos, para que fossem desenterradas as bombas lançadas pelos ataques americanos. Quando a Índia tentou enviar cem búfalos domésticos para o Vietname para compensar a quantidade enorme de gado destruída pelos ataques americanos - lembre-se que, nesse país primitivo, o búfalo doméstico representa o fertilizante, o tractor e a sobrevivência -, os Estados Unidos ameaçaram cancelar o programa de ajuda Alimento para a Paz. Com isso, até Orwell ficaria surpreso. Nenhum grau de crueldade é suficientemente grande para os sádicos de Washington. As classes instruídas conhecem o suficiente para olhar do outro lado.
Para sangrar o Vietname , nós apoiámos indirectamente os Khmer Vermelho por intermédio dos nossos aliados, China e Tailândia. Os cambojanos tiveram de pagar com sangue até estarmos seguros de que não haveria recuperação no Vietname . Os vietnamitas foram punidos por terem enfrentado a violência norte-americana.


Ao contrário do que praticamente todos dizem - direita ou esquerda -, os Estados Unidos alcançaram o seu objetivo na Indochina. O Vietname foi destruído. Não há mais perigo ali de um desenvolvimento bem-sucedido poder servir de modelo para outros países da região. Logicamente, não foi uma vitória total para os Estados Unidos. A nossa grande meta - a de re-incorporar a Indochina no sistema global dominado pelos EUA - ainda não foi alcançada. Mas o nosso objectivo básico - o decisivo, o que realmente importava - foi o de destruir o vírus, e isso nós conseguimos. O Vietname é um país em desespero e os Estados Unidos fazem o que podem para mantê-lo assim. Em outubro de 1991, os Estados Unidos ignoraram mais uma vez os enérgicos protestos dos seus aliados, na Europa e no Japão, e renovaram o embargo e as sanções contra o Vietname. Os países do Terceiro Mundo devem aprender que não podem ousar levantar a cabeça. Senão, o valentão global persegui-los-á incansavelmente por cometerem esse crime inconfessável.

2 comentários:

Maria Manuela disse...

és mesmo vermelhusco...

:)

vermelho disse...

Olá querida. Sabes, acho que no outro dia lá em tua casa me precipitei... Coisa de sagitário... Só depois vi que agoras me tinhas por vermelho (não vou escrever reticências outra vez, recuso-me!). Vermelho é o meu sangue e o meu coração, que a propósito bate do lado esquerdo...
Beijo na testa.