18 de novembro de 2008

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América IV. Por Noam Chomsky.

A restauração da ordem tradicional.
Os estrategas do mundo pós-guerra, como Kennan, por exemplo, cedo perceberam que ia ser imprescindível, para o bem das empresas americanas , que as outras sociedades ocidentais se refizessem dos prejuízos da guerra, para que pudessem importar mercadorias manufaturadas dos EUA, e assim, fornecerem oportunidades de investimentos. Inclui-se aqui o Japão como parte do Ocidente, seguindo a convenção sul-africana de tratar os japoneses como "brancos honorários". Entretanto, era fundamental que essas sociedades se reconstruíssem de uma maneira bem específica. A ordem tradicional de direita tinha de ser restabelecida, com a dominação das empresas com a divisão e o enfraquecimento dos sindicatos e com o peso da reconstrução a ser colocado inteiramente nos ombros da classe trabalhadora e dos pobres. O principal obstáculo no caminho era a resistência antifascista. Nós, então, reprimimo-la no mundo inteiro e instalámos em seu lugar, na maioria das vezes, fascistas e ex-colaboradores nazistas. Às vezes, isso requeria extrema violência, mas, em outras situações, isso era feito por meio de medidas mais suaves, como subverter eleições ou esconder alimentos extremamente necessários. Este deveria ser o capítulo 1 de qualquer história honesta do período pós-guerra, mas, na verdade, isso raramente é discutido. Esse modelo político foi estabelecido em 1942, quando o presidente Roosevelt colocou o almirante francês Jean Darlan como govemador-geral de toda África do Norte francesa. Darlan era um dos principais colaboradores nazistas e autor de leis anti-semitas, promulgadas no governo de Vichy (o regime fantoche dos nazistas na França). Entretanto, muito mais importante foi o caso primeira área liberada da Europa - o Sul da Itália -onde os EUA, seguindo o conselho de Churchill, impuseram uma ditadura de direita liderada pelo herói de guerra fascista, o marechal de campo Badóglio, e pelo rei Victor Emmanuel III, que também foi um colaborador fascista. Os estrategas norte-americanos reconheceram que a "ameaça" na Europa não era a agressão soviética (que analistas sérios como Dwight Eisenhower não previram), mas a resistência antifascista operária e camponesa com os seus ideais democráticos radicais, o poder político e a atração dos partidos comunistas locais. Para evitar um colapso económico, que aumentaria a influência desses partidos, e para reconstruir as economias capitalistas dos países da Europa Ocidental, os EUA instituíram o Plano Marshall (sob o qual a Europa foi subvencionada em mais de 12 bilhões de dólares, entre 1948 e 1951, com empréstimos e concessões, fundos estes utilizados na compra de um terço das exportações norte americanas para a Europa no auge do ano de 1949. Na Itália, um movimento de base operária e camponesa, liderado pelo Partido Comunista, tinha tomado seis divisões alemães durante a guerra e libertado o Norte da Itália. Quando as forças norte americanas avançaram pela Itália, dispersaram essa resistência antifascista e restauraram a estrutura básica do regime fascista anterior à guerra.

A Itália tinha sido uma das principais áreas de subversão da CIA - Central de Inteligência Americana - desde que a agência foi fundada. A CIA estava preocupada que os comunistas ganhassem o poder nas decisivas eleições italianas de 1948. Muitas técnicas foram utilizadas, inclusive a restauração da polícia fascista, que destruiu sindicatos e escondeu alimentos. Mas, ainda ssim, não estava claro que o Partido Comunista seria derrotado. O primeiro memorando do Conselho de Segurança Nacional (CSNI-1948) especificou uma série de acções que os EUA realizariam se acaso os comunistas vencessem as eleições. Uma das respostas planeadas seria a intervenção armada, com ajuda militar, em operações secretas na Itália. Algumas pessoas, especialmente George Kennan, propuseram acção militar antes das eleições. Ele não queria riscos, mas outros convenceram-no de que poderiam ganhar por meio da subversão, o que se concretizou realmente.

Na Grécia, as tropas britânicas entraram depois dos nazis se terem retirado. Impuseram um regime tão corrupto que provocou nova resistência. Como a Inglaterra, em seu declínio pós-guerra, foi incapaz de manter o controle, em 1947 os Estados Unidos entraram, apoiando uma guerra assassina, que resultou em 160.000 mortes. Foi uma guerra repleta de torturas, exílios políticos de dezenas de milhares de gregos, e aquilo a que chamamos "campos de reeducação" para outras dezenas de milhares de pessoas, destruição de sindicatos e nenhuma possibilidade de independência política. A Grécia foi decididamente colocada nas mãos de investidores americanos e empresários locais, enquanto grande parte da população teve de emigrar para sobreviver. Os beneficiários foram os colaboradores nazistas, e as principais vítimas foram os trabalhadores e os camponeses da resistência antinazista, liderada pelos comunistas. A nossa vitoriosa "defesa" da Grécia contra a sua própria população serviu de modelo para a Guerra do Vietnam - como explicou Adlai Stevenson, na ONU, em 1964. Os conselheiros de Reagan usaram exactamente o mesmo modelo, falando sobre a América Central. E o mesmo padrão foi seguido em muitos outros lugares.

No Japão, o governo de Washington iniciou, em 1947, o chamado "caminho inverso", que reverteu os primeiros passos em direção à democratização empreendida pela administração militar do general MacArthur. O "caminho inverso" reprimiu os sindicatos e outras forças democráticas e colocou o país firmemente nas mãos dos empresários, que haviam apoiado o fascismo japonês - um sistema misto de poder estatal e privado que dura até hoje.

Quando as forças norte-americanas entraram na Coreia, em 1945, dissolveram o governo popular local, composto basicamente de antifascistas, que resistiram aos japoneses. Os EUA inauguraram aí uma repressão brutal, usando a polícia fascista japonesa e coreanos que haviam colaborado com os japoneses durante a ocupação. Cerca de cem mil pessoas foram assassinadas na Coréia do Sul antes daquilo a que chamamos Guerra da Coreia. Inclusive, foram mortas entre trinta e quarenta mil pessoas durante a repressão a uma revolta camponesa, na pequena região da Ilha de Cheju.

O golpe fascista na Colômbia, inspirado pela Espanha de Franco, trouxe pouco protesto do governo norte-americano. A mesma coisa ocorreu com o golpe militar na Venezuela e com a restauração de um admirador do fascismo no Panamá. Mas o primeiro governo democrático da história da Guatemala, inspirado no New Deal de Roosevelt, provocou um amargo antagonismo norte americano. Em 1954, a CIA maquinou um golpe que transformou a Guatemala num inferno na terra. E, desde então, mantém-se assim, com intervenção e apoio regular dos EUA, especialmente durante os governos Kennedy e Johnson. Outro aspecto da repressão à resistência antifascista foi o recrutamento de criminosos de guerra como Klaus Barbie, um oficial da SS de Hitler que tinha sido chefe da Gestapo em Lyon, na França, onde recebeu o apelido de "o talhante de Lyon". Embora ele tivesse sido responsável por crimes hediondos, o Exército dos EUA encarregou-o da espionagem na França. Quando Barbie foi finalmente trazido de volta à França, em 1982, para ser julgado como criminoso de guerra, o seu emprego como agente foi assim explicado pelo coronel (aposentado) Eugene Kolb, orpo de contra-espionagem do Exército americano: "As 'habilidades' [de Barbie] eram um mal necessário... As suas barbaridades tinham sido dirigidas contra o clandestino Partido Comunista e contra a Resistência Francesa", que já eram alvo da repressão dos "libertadores" norte-americanos. Já que os Estados Unidos continuavam onde os nazistas tinham desistido, fazia muito sentido aproveitar os especialistas em atividades anti-resistência. Mais tarde, quando se tornou difícil, ou impossível, proteger esse valioso pessoal na Europa, muitos deles esconderam-se nos Estados Unidos ou na América Latina, muitas vezes com a ajuda do Vaticano e de padres fascistas. Lá, eles tornaram-se conselheiros militares de governos policiais, apoiados pelos Estados Unidos, inspirados, muitas vezes quase abertamente, no Terceiro Reich. Eles também se tornaram traficantes de droga, comerciantes de armas, terroristas e educadores - ensinando a camponeses latino-americanos técnicas de tortura inventadas pela Gestapo. Alguns alunos nazistas fizeram o trabalho de casa na América Central, estabelecendo, deste modo, uma ligação directa entre os campos de extermínio e os esquadrões da morte, tudo graças à aliança pós-guerra entre os EUA e os ex-membros das SS.

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