15 de novembro de 2008

Os principais objectivos da política externa dos Estados Unidos da América II. Por Noam Chomsky.

O extremo-liberal.




O CSN 68 é o extremo da linha dura, e lembre-se: as políticas não eram somente teóricas, muitas delas já estavam realmente a ser implementadas. Agora, vejamos o outro extremo: o grupo denominado "os pombos", onde o principal pombo era, sem dúvida, George Kennan, que dirigiu a equipe de planeamento do Departamento de Estado até 1950, quando foi substituído por Nitze. A propósito, o escritório de Kennan foi responsável pela rede de Gehlen. Kennan era um dos mais inteligentes e lúcidos estrategas dos EUA e uma das mais importantes personalidades na configuração do mundo pós-guerra. Os seus escritos são uma ilustração extremamente interessante da posição dos "pombos". Se alguém quiser realmente conhecer esse país, um documento bom para consultar é o Estudo de Planeamento Político 23, escrito por Kennan
para a equipe de planeamento do Departamento de Estado, em 1948. Eis aqui um exemplo do seu conteúdo:



Nós temos cerca de 50% da riqueza mundial, mas somente 6,3% da sua população... Nesta
situação, não podemos deixar de ser alvo de inveja e ressentimento. A nossa verdadeira tarefa, na próxima fase, é planear um padrão de relações que nos permitirá manter esta posição de
desigualdade... Para agir assim, teremos de dispensar todo o sentimentalismo e devaneio; a nossa atenção deve concentrar-se em toda parte, nos nossos objetivos nacionais imediatos... Precisamos parar de falar de vagos e... irreais objectivos, tais como direitos humanos, elevação do padrão de vida e democratização. Não está longe o dia em que teremos de lidar com conceitos de poder directo. Então, quanto menos impedidos formos por slogans idealistas, melhor.
O EPP 23 era, logicamente, um documento altamente secreto. Para pacificar o povo, era necessário difundir "slogans idealistas" (como ainda é constantemente feito), mas aqui os estrategas falavam entre si.
Seguindo essas mesmas linhas, numa reunião de embaixadores americanos na América Latina, em 1950, Kennan observou que a maior preocupação da política externa norte-americana deve ser "a proteção das nossas (isto é, da América Latina) matérias-primas". Devemos, portanto, combater a perigosa heresia que, segundo informava a Inteligência americana, estava a espalhar-se pela América Latina: "A ideia de que o governo tem responsabilidade directa pelo bem do povo".
Os estrategas americanos chamam a essa ideia comunismo, seja qual for a real opinião das
pessoas que a defendem. Elas podem formar grupos de auto-ajuda, baseados na Igreja, ou quaisquer outros, mas se elas apoiam tal heresia, elas são comunistas.
Essa posição é também clara nos arquivos públicos. Por exemplo, um grupo de estudos de alto nível declarou, em 1955, que a ameaça principal das potências comunistas (o verdadeiro sentido do termo comunismo na prática) é a recusa em exercer o seu papel serviçal, isto é, o de "complementar as economias industriais do Ocidente".
Kennan seguiu explicando os meios que devíamos utilizar contra os inimigos que caíam nessa
heresia: A resposta final pode ser desagradável, mas... não devemos hesitar diante da repressão policial do governo local. Isso não é vergonhoso, porque os comunistas são essencialmente traidores... É melhor ter um regime forte no poder do que um governo liberal, indulgente, brando e infiltrado de comunistas.

Tais políticas não começaram com liberais pós-guerra como Kennan. Há trinta anos, o secretário de Estado Woodrow Wilson já havia declarado que o significado prático da Doutrina Monroe levava em conta que "os Estados Unidos consideram os seus próprios interesses. A integridade das outras nações americanas é um mero acidente, não um fim". Wilson, o grande apóstolo da
autodeterminação, concordou que o argumento era "irrefutável", embora fosse "apolítico"
apresentá-lo publicamente. Wilson agiu de acordo com esse pensamento ao invadir, entre outras coisas, o Haiti e a República Dominicana, onde os seus soldados assassinaram, destruíram e demoliram o sistema político vigente, deixando as empresas norte-americanas firmemente no controle e preparando, assim, o cenário para ditaduras brutais e corruptas.

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